
Número de construtechs e proptechs cresce 235% em cinco anos
Especialistas analisam o ecossistema e apontam os principais desafios
De acordo com o Mapa das Construtechs e Proptechs 2021, desenvolvido pela Terracotta Ventures, no fim do ano passado havia 839 startups ativas no Brasil atuando ao longo de "todo o ciclo de projetos, construção, aquisição e propriedades em uso". Com isso, o ecossistema registra um avanço de 235% nos últimos cinco anos e de 19,5% em 2020 frente ao ano anterior.
Evolução do total de Construtechs e Proptechs. Crédito: Divulgação/Terracotta Ventures.
"Ano passado eram pouco mais de 700 empresas. Percebemos que o mercado está em uma fase de aceleração, o que vai resultar no surgimento de grandes players e volumosas rodadas de investimento, como vem ocorrendo com Loft, Quinto Andar e outras", analisa Bruno Loreto, managing partner da Terracotta Ventures.
Para Gustavo Junqueira, diretor da KPTL, o exponencial crescimento dessas startups está relacionado com as necessidades dos setores de construção e imobiliário, tradicionalmente conservadores, de 'correr atrás do prejuízo'. A gestora de venture capital é resultado da fusão entre A5 Capital Partners e Inseed Investimentos.
"A necessidade da cadeia de valor buscar eficiência é o grande propulsor desse ecossistema. Há cinco anos atrás, falar de startups nestes mercados era muito complicado. Hoje, muitas empresas já têm a sua área de inovação, trabalham com corporate finance ou desenvolvem programas de aceleração com startups", diz o especialista.
Isso significa que o apetite do mercado por novas soluções tem crescido. A Alphaville Urbanismo foi uma das pioneiras neste movimento, tendo desenvolvido um programa de conexão com startups - baseado em desafios - no ano de 2017. Atualmente, este contato é feito através da plataforma Alpha Inova.
"Na primeira edição, tivemos mais de 130 inscrições, rodamos 20 pilotos e prosseguimos com cerca de 10 startups. Repetimos o programa por mais dois anos e depois nos consolidamos como uma empresa aberta à inovação, independentemente dos desafios", explica a diretora de Negócios, Produto e Meio Ambiente, Patricia Hulle.
Para inserir as startups na rotina da companhia, entretanto, a executiva lembra que foi preciso reformular políticas e normas, como o padrão de contratações. "Antes, só podíamos contratar empresas com balanço consolidado, por exemplo. Portanto, não poderia ser uma empresa recém-criada", acrescenta Hulle.
Sobre a ascensão das construtechs e proptechs, assim como de todo o ecossistema de inovação, José Muritiba, diretor-executivo da Associação Brasileira de Startups (Abstartups), considera que estão sendo bem aproveitadas as oportunidades criadas pelos recentes problemas vividos no país.
"As startups são empresas, em geral de base tecnológica, que nascem para solucionar um problema. Então, em função dos momentos difíceis que vivenciamos nos últimos anos, como as crises econômicas e o atual cenário de pandemia, cresceram as oportunidades para modelos de negócio disruptivos", afirma.
O investidor-anjo Marco Poli, que representa a ClosedGap, tem uma visão semelhante. "O propulsor das startups é, de fato, a oportunidade. Os setores de construção e imobiliário estão se mostrando ávidos por inovação, o que cria um imã gigantesco para empreendedores. É momento de entender a nova lógica do mercado, ou seja, o novo uso do imóvel, o novo formato de aluguel, o novo modelo de escritório e o novo conceito de residência", garante.
Por mais que os especialistas identifiquem uma específica janela de oportunidade, o crescimento das construtechs e proptechs não se lastreia apenas nos problemas recentes. Adriano Pitoli, economista e líder do fundo de govtech da KPTL, recorda que o Brasil ainda conta com um enorme problema de habitação.
"A demanda potencial por moradia vai muito além do déficit habitacional, pois também há muitas famílias que residem em imóveis inapropriados. Essa necessidade representa um grande espaço de crescimento nos setores de construção e imobiliário", avalia.
Segundo a Abstartups, atualmente existem aproximadamente 13,5 mil startups de 45 setores diferentes. A construção ocupa o 22º lugar, representando 1,67% do total, e o mercado imobiliário é o 25º colocado, com o equivalente a 1,36% das startups do país.
Principais desafios
Contudo, estatísticas da entidade mostram que apenas uma em cada quatro startups têm sucesso, o que significa uma taxa de mortalidade de 75%. Pensando nisso, os entrevistados pelo GRI Club mencionaram os principais desafios no ecossistema de inovação.
Para Poli, que tem atualmente 52 startups investidas na ClosedGap, os maiores obstáculos são "desenvolver um modelo de negócio relevante e encontrar os clientes". Em sintonia, Junqueira cita o product market fit como principal desafio para os empreendedores.
"Muitas vezes as startups entendem a dor do mercado, desenvolvem uma solução, mas esquecem que este é apenas o início da jornada. É necessário conseguir os primeiros clientes, convencê-los que a solução não vai gerar outros problemas, achar o modelo de negócio e estipular um preço adequado", explica o diretor da gestora KPTL.
Como cliente, Hulle considera que os maiores desafios para as startups estão relacionados com a transparência e a sabedoria para escalar o negócio no momento certo. A executiva lembra que, em alguns casos, a startup não dá conta de atender duas ou três empresas grandes ao mesmo tempo, mas se propõe a isso.
"Esse relacionamento tem que estar bem redondo, pois são empresas ainda não estruturadas. Algumas startups não são transparentes sobre aquilo que conseguem entregar ou se o sistema já está pronto para uso. Isso prejudica o relacionamento com a grande empresa, que gasta muita energia no processo", diz a diretora da Alphaville Urbanismo, que atua como parceira, e não investidora.
Já Loreto, da Terracotta Ventures, aponta como maior desafio das construtechs e proptechs a escalabilidade, um dos pilares para as startups. "Diferente do setor financeiro, que está concentrado em São Paulo, os ramos de construção e imobiliário estão espalhados no Brasil inteiro, com empresas regionais que dominam determinados mercados. Muitas vezes se desenvolve uma solução local, mas não se consegue escalar o negócio", aponta.
Por fim, Muritiba destaca três outros desafios para as startups: a formação de talentos, o acesso a capital e o ambiente regulatório. Estes dois últimos, por sua vez, podem ser amenizados após a aprovação do Marco Legal das Startups, que recebeu sanção presidencial em 1º de junho.
Marco Legal das Startups
"É um documento importante para o segmento de inovação porque estabelece uma regulamentação. Foi dado um importante passo de personalidade jurídica, que dita regras e promove um maior incentivo para novos negócios e parcerias”, declara o diretor-executivo da associação que representa o setor.
O texto define quais empresas se enquadram como startup a partir de registro e receita, regulariza a condição de investidor-anjo e autoriza que as instituições com obrigação legal de investimento em pesquisa cumpram seus compromissos com aporte de recursos em startups, através de fundos patrimoniais ou fundos de investimento em participações (FIPs).
O documento também cria os sandboxes, programas que oferecem um ambiente regulatório experimental para o desenvolvimento de soluções inovadoras. Estes passam a ser fornecidos por órgão e entidades da administração pública com competência de regulamentação setorial.
Entre demais medidas, ainda foi desenvolvida uma nova modalidade de licitação de empresas públicas, sociedades mistas e subsidiárias, a fim de testar novas soluções. Nestes casos, as propostas para resolução do problema caberão aos participantes da licitação e não ao ente público. "Deixa de valer apenas o menor preço e passa a valer o melhor custo-benefício", conclui Junqueira.Por Daniel Caravetti