Editorial: Sustentabilidade orçamentária das agências reguladoras

Deterioração dos orçamentos e quadros técnicos compromete a capacidade de funcionamento e a qualidade dos serviços públicos

31 de julho de 2025Infraestrutura
Por Moisés Cona

As agências reguladoras federais brasileiras cumprem papel essencial na consolidação de um ambiente institucional seguro, técnico e estável para os setores estratégicos da infraestrutura nacional. No entanto, essas instituições vêm enfrentando uma deterioração progressiva de seus orçamentos, comprometendo diretamente sua capacidade de fiscalização, normatização e garantia da qualidade dos serviços públicos.

Considerando os valores atualizados pela inflação, o orçamento disponível entre 2020 e 2024 caiu significativamente nas principais agências: 42% na ANP, 40% na ANS, 37% na ANTT, 32% na Aneel, 19% na Anatel e 3% na ANM, segundo levantamento da CNN Brasil. Essa retração compromete a resposta do Estado em áreas críticas da infraestrutura, sobretudo diante da crescente complexidade técnica e contratual dos setores regulados.

O cenário se agravou em 2025, segundo dados apresentados pelas próprias agências na Comissão de Infraestrutura do Senado Federal, que revelaram um baixíssimo aproveitamento das receitas setoriais arrecadadas. A Aneel, por exemplo, arrecadou R$ 11,6 bilhões em 2024, mas teve orçamento autorizado de apenas R$ 117 milhões em 2025 - menos de 1% da arrecadação. A ANP, com receitas superiores a R$ 10 bilhões, teve sua dotação reduzida de R$ 717 milhões (2013) para R$ 134 milhões (2024).

Além do subfinanciamento, as agências enfrentam grave insuficiência de pessoal. Segundo nota conjunta das Agências Reguladoras Federais publicada em maio de 2024, algumas operam com mais de 65% dos cargos efetivos vagos. A escassez de pessoal é agravada pelo assédio institucional e privado sobre seus quadros mais qualificados. Reconhecidos pelo alto nível técnico, muitos desses profissionais são constantemente recrutados por outros órgãos da administração pública ou pelo setor privado, que oferecem condições mais atrativas. Essa carência compromete a capacidade técnica instalada, dificultando a fiscalização, a análise de processos regulatórios e a manutenção de serviços essenciais como ouvidorias, homologações e certificações. 

Esse cenário se torna ainda mais preocupante diante da ampliação das atribuições regulatórias. Atualmente, a ANTT possui 32 contratos de concessão rodoviária sob sua gestão, com previsão de que esse número mais que dobre até o final de 2026, impulsionado pela nova carteira de projetos do Governo Federal voltada à expansão da malha concedida e à reestruturação de ativos existentes. Esse crescimento exige uma estrutura técnica fortalecida, capaz de assegurar regulação eficiente e fiscalização contínua.

Ademais, o funcionamento adequado das agências impacta diretamente o ambiente de negócios. Investimentos - sejam em energia, transporte, telecomunicações ou outros setores regulados - dependem da atuação eficaz dessas instituições para a obtenção de licenças, autorizações, certificações e fiscalização de operação. A falta de recursos compromete a tramitação de processos essenciais, gera atrasos em inaugurações, amplia riscos regulatórios e desestimula novos aportes privados.

Em síntese, o enfraquecimento orçamentário das agências representa um risco sistêmico à regulação estatal, à segurança jurídica dos contratos de infraestrutura e à qualidade dos serviços prestados à população. Torna-se urgente discutir alternativas institucionais que assegurem previsibilidade, autonomia e sustentabilidade financeira, resguardando a independência técnica e a capacidade de cumprimento de suas missões públicas.

Para tanto, manifestamos apoio à tramitação e discussão do PLP 73/2025, no Senado Federal, e do PL 1374/2025, na Câmara dos Deputados, como iniciativas relevantes para restaurar e aprimorar a capacidade institucional das agências reguladoras. Ambas as proposições caminham no sentido de garantir maior previsibilidade orçamentária, autonomia administrativa e estabilidade regulatória, elementos fundamentais para que essas instituições possam cumprir com eficiência suas funções estratégicas para o Estado e para o ambiente de investimentos no país.

Nesse contexto, manifestamos nossa disposição para colaborar com o debate sobre a estruturação de mecanismos que permitam vincular, de forma progressiva, a ampliação de recursos orçamentários ao cumprimento de metas de desempenho institucional. A construção de gatilhos com base em indicadores objetivos - como tempo médio de análise de processos, cobertura fiscalizatória, grau de transparência nas decisões, cumprimento de agendas regulatórias e resolutividade das ouvidorias - cria incentivos alinhados à boa gestão e ao fortalecimento da entrega regulatória. Acreditamos que esse modelo, ao associar autonomia e responsabilidade, contribui para o aprimoramento da governança pública e para a consolidação de uma regulação mais eficiente, técnica e orientada à prestação de serviços de qualidade à sociedade.