Intermodalidade: novas rotas e desafios para o escoamento da produção Nordestina

Hidrovias e ferrovias precisam de mais protagonismo, enquanto rodovias carecem de investimentos para melhorias e modernização

31 de julho de 2025Infraestrutura
Por Henrique Cisman

A região Nordeste busca otimizar sua malha logística para escoar uma produção crescente e impulsionar o desenvolvimento econômico local. Neste sentido, o GRI Institute realizou uma mesa-redonda com foco em novas rotas para ampliar o escoamento, reunindo autoridades públicas e executivos do setor de transportes para discutir os avanços, as oportunidades e os persistentes gargalos na integração dos modais de transporte. 

O encontro contou com as presenças especiais de Cleyton Barros, chefe da assessoria especial do PPI - Programa de Parcerias de Investimentos, Dino Batista, secretário nacional de Hidrovias e Navegação, e Rebecca Ferreira, diretora de programa da Secretaria Nacional de Portos, ambos do Ministério de Portos e Aeroportos, além de Eduardo de Queiroz, superintendente de estudos e projetos hidroviários da ANTAQ. A moderação foi realizada por Leandro Gaudenzi, diretor Administrativo e Financeiro da CODEBA. 

Veja a seguir alguns destaques da reunião. 

O potencial das hidrovias e a retomada do São Francisco

A criação da Secretaria Nacional de Hidrovias, em 2024, é vista como um marco significativo, elevando a prioridade deste modal na agenda do governo. Até então, o tema tinha pouco espaço e iniciativas isoladas. O objetivo principal da secretaria é fomentar parcerias com a iniciativa privada visando concessões hidroviárias.

A retomada da hidrovia do Rio São Francisco, um corredor com grande pujança histórica, é fundamental para a logística nacional e para a multimodalidade na região, especialmente se houver conexão às ferrovias. A iniciativa da Autoridade Portuária da Bahia em liderar a reativação desse corredor é crucial, dada a limitação de recursos e pessoal do governo para tocar todos os projetos prioritários.

O projeto visa revitalizar a navegação comercial no rio com foco no transporte de cargas entre o Sudeste e o Nordeste, ligando Pirapora (MG) a Juazeiro (BA) e Petrolina (PE). Anunciada recentemente pelo governo federal, a hidrovia deve utilizar 1,3 mil km de extensão navegável do rio e movimentar até cinco milhões de toneladas de cargas por ano.

A ANTAQ, como agente regulador, tem o papel de garantir segurança aos investimentos e criar uma atmosfera de negócios no setor de transporte aquaviário. Há um esforço para desenvolver parcerias e discutir projetos de forma colaborativa. A agência elaborou o plano geral de outorgas para trechos hidroviários, que identificou seis trechos prioritários (entre eles, Paraguai, Araguaia-Tocantins, Tapajós e Lagoa Mirim) e dois com potencial (São Francisco e Parnaíba, ambos no Nordeste). A concretização de projetos como a concessão do Parnaíba - na qual o Governo do Piauí sinaliza investir R$1 bilhão - e a gestão da Hidrovia São Francisco pela CODEBA demonstram avanços.

Ferrovias e rodovias

Um executivo do setor logístico ressalta que cerca de metade do mercado de cargas no Brasil é composto por produtos que não são tradicionalmente transportados por ferrovias ou hidrovias, como cargas gerais, petroquímicos e combustíveis. Atualmente, a totalidade (100%) dessas cargas é transportada pelo modal rodoviário, muitas vezes em distâncias superiores a mil quilômetros, o que, sob qualquer lógica, não é competitivo nem estruturalmente sustentável, podendo levar a crises de frete rodoviário se a demanda continuar a crescer sem o devido investimento em outros modais. 

Como comparação, a exportação de commodities - que dependem mais fortemente do transporte ferroviário e portuário - não sofreu tanto com a greve dos caminhoneiros, em 2018, diferentemente de outros setores.

No caso da Bahia, a malha existente (que liga Belo Horizonte a Salvador e Juazeiro) opera com padrão do século XIX, tendo baixa velocidade, baixa capacidade e bitola diferente das ferrovias do Sudeste e da Transnordestina (padrão século XXI). Embora não haja demanda para cargas tradicionais, uma simulação de modernização da ferrovia indicou viabilidade para escoar os 100 milhões de toneladas/ano que hoje circulam nas BR-116 e 101.

A Bahia contará com a FIOL (Ferrovia de Integração Oeste-Leste), que está sendo construída em bitola larga, e ligará Barreiras e Caetité a Ilhéus, mas que não se conecta com a malha existente que corta o estado de norte a sul. Há uma percepção de que, se a Bahia tiver uma ferrovia moderna conectando-a ao Sudeste e ao restante do Nordeste, o volume de carga justificará o investimento.

No curto prazo, a melhoria da eficiência rodoviária é essencial, dado que rodovias importantes do Nordeste, como a BR-324/116, possuem problemas e estrangulamentos. Projetos de repactuação podem trazer soluções para aliviar a pressão.

Integração entre os modais

A integração entre os diversos modais é vista como fundamental. Embora a hidrovia do São Francisco não chegue ao mar devido às barragens, a discussão é sobre como conectá-la aos portos da Bahia, que têm grande capacidade, mas carecem de acesso competitivo. A articulação entre os diferentes níveis de governo e o setor privado é crucial para romper barreiras como licenciamento ambiental e questões contratuais.

Um participante do setor de granéis líquidos exemplifica a morosidade burocrática citando o Porto de Santos, que desde 2004 enfrenta problemas de acesso portuário, e o Porto de Aratu, na Bahia, onde um projeto de melhoria levou nove anos para ter a minuta de contrato assinada. Essa demora aumenta custos e desestimula investimentos.

A complexidade de envolver múltiplos ministérios e agências reguladoras (Portos, Transportes, Minas e Energia, ANTAQ, ANTT, ANP) em projetos de infraestrutura é um entrave. Há uma defesa pela desburocratização e pela criação de um ambiente que proteja os responsáveis por assinar os contratos, dada a frequente judicialização.

O setor público, por sua vez, enfrenta a escassez de técnicos qualificados e de estrutura para dar vazão às demandas do mercado. Órgãos como ANP, ANTAQ e ANTT têm enfrentado restrições orçamentárias que afetam suas funções básicas. O Ministério dos Transportes tem remanejado verbas do orçamento de investimentos para sustentar essas agências.

O papel das autoridades portuárias é fundamental para ouvir o mercado e propor soluções que integrem a cadeia logística, garantindo que a infraestrutura atenda à demanda e gere benefícios para a sociedade e os investidores.