O debate sobre aluguel de temporada no Brasil está olhando para o lado errado

Gustavo Favaron, Global CEO do GRI Institute, destaca como discussões têm focado nos sintomas, e não na falta de políticas para ampliar a oferta de imóveis

8 de dezembro de 2025Mercado Imobiliário
Escrito por:Gustavo Favaron

Principais Insights

  • O aluguel de temporada tem sido responsabilizado pela alta dos preços, embora o principal fator seja a insuficiência de oferta habitacional decorrente de burocracias, restrições urbanísticas e baixo ritmo de construção.
  • A atividade gera efeitos positivos na economia, distribuindo renda e movimentando diversos setores, o que indica que seu papel no mercado vai além das críticas frequentemente direcionadas a ela.
  • A solução passa por ampliar a oferta de moradias, incentivar construção e adensamento, e aprimorar a infraestrutura urbana, em vez de adotar medidas restritivas que não atacam a raiz do problema.

O estudo mais recente da Fundação Getulio Vargas (FGV) trouxe números que chamaram a atenção. Segundo os pesquisadores, o Airbnb movimentou R$ 99,8 bilhões em 2024, sustentou 627 mil empregos, adicionou R$ 55,8 bilhões ao PIB e gerou R$ 8 bilhões em tributos diretos. É um impacto econômico que já rivaliza setores tradicionais do país.

E há mais: cada R$ 10 gastos na hospedagem geram outros R$ 52 na economia do entorno, beneficiando restaurantes, mercados, transporte local e comércio. No Rio de Janeiro, por exemplo, o estudo aponta R$ 9,9 bilhões movimentados e mais de 61 mil empregos sustentados.

Mas o que me interessa nesse debate não é apenas o impacto econômico, e sim a forma como o Brasil (não) está discutindo o fenômeno do aluguel por temporada.

Nos últimos anos, surgiram críticas ao modelo, especialmente em grandes capitais. Há quem diga que ele eleva o preço dos imóveis, pressiona o aluguel e prejudica moradores locais.

Uma revisão bibliográfica nossa, internacional, com 40 estudos, aponta efeitos variados, de aumentos de 1,9% a 34% nos valores imobiliários, até impactos positivos no comércio e no emprego.

Mas aqui está o ponto essencial: não é o aluguel de temporada que causa uma crise habitacional. É a falta de oferta.

É simples. Quando um bem é escasso, o preço sobe. Isso vale para imóveis da mesma forma que vale para pão, gasolina ou qualquer outro produto.

O problema é que, no mercado imobiliário brasileiro, construímos pouco, devagar e com burocracias que se acumulam há décadas. Enquanto isso, discutimos se o proprietário pode ou não explorar seu próprio imóvel da forma que considera melhor.

Pense comigo: se você trabalhou arduamente para comprar um apartamento como investimento legítimo, dentro das regras de uma economia de mercado, por que deveria existir uma limitação específica sobre como pode rentabilizá-lo?

É aqui que alguns levantam a mão e dizem: “Mas moradia é uma necessidade fundamental.” E é verdade. Assim como a alimentação também é. E, justamente por isso, vale lembrar o que acontece quando tentamos controlar preços de bens essenciais.

Ninguém em sã consciência defenderia hoje um tabelamento do preço da carne, da picanha ou do pão. O Brasil já tentou isso no passado. Quem viveu os anos 80, especialmente no período do governo Sarney, lembra bem do que significou congelar preços: prateleiras vazias, escassez, mercado informal. O controle parecia proteger, mas acabou agravando a falta.

Alimentação é um direito básico, assim como moradia. Mas controlar preço ou restringir de modo agudo o uso legítimo de um ativo não resolve o problema, cria distorções, desestimula oferta e aprofunda a escassez.

É exatamente esse risco que corremos quando tentamos limitar, de forma artificial, como um proprietário pode utilizar o seu imóvel no aluguel por temporada.

As cidades querem atrair turistas, gerar renda, dinamizar bairros, movimentar comércio. E, ao mesmo tempo, querem restringir o aluguel de temporada, um dos mecanismos que, segundo a FGV, mais irrigam a economia local.

E há um ponto pouco discutido: o short stay não concentra o gasto do turista apenas nos bairros turísticos. Ele espalha esse consumo pela cidade e o dinheiro circula no mercado local — padarias, farmácias, mercados, transporte e pequenos serviços do entorno. O turismo deixa de ser restrito a um eixo e passa a distribuir renda de forma muito mais capilar.

A verdade incômoda é esta: o aluguel de temporada só pressiona o mercado quando o Estado impede a criação de nova oferta, restringe construções, encarece licenças, trava infraestrutura e não investe em habitação social.

Cidades como Lisboa, Barcelona e Nova Iorque enfrentam esse dilema. Tornaram-se destinos globais, mas durante décadas limitaram verticalização, adensamento, construção e renovação de estoque residencial.

Quando a demanda cresceu mais que a oferta, o resultado foi inevitável: preços subiram. O aluguel de temporada virou o vilão perfeito para explicar um problema que começou muito antes dele.

E há um fato que raramente aparece nessas análises: onde as restrições ao aluguel de temporada são mais duras, os hotéis ficam mais caros, e o turismo mais inacessível. Nova Iorque é um exemplo claro.

Se queremos cidades vibrantes, abertas, conectadas e globalmente competitivas, não podemos defender barreiras à circulação de pessoas ao mesmo tempo em que reivindicamos mais integração internacional.

O Brasil tem desafios reais: déficit habitacional, concentração de renda, falta de infraestrutura urbana. Mas nenhum deles será solucionado atacando a atividade que, segundo a FGV, gerou quase R$ 100 bilhões em impacto econômico e bilhões em tributos que poderiam justamente financiar novas moradias e novas obras.

Nosso problema não é excesso de aluguel de curta duração, é falta de política urbana que incentive construção, adensamento, mobilidade e infraestrutura. E essa é a discussão que realmente importa:  não como restringir, mas como expandir.

Porque só aumenta preço o que é escasso, e o aluguel de temporada é apenas um espelho que revela essa escassez. Não a sua causa.
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