Credit: FreepikCongelar aluguéis: solução rápida ou retrocesso urbano anunciado?
Gustavo Favaron, Global CEO do GRI Institute, comenta resultados globais do congelamento de aluguéis e como soluções paliativas podem agravar problemas urbanos
24 de novembro de 2025Mercado Imobiliário
Escrito por:Gustavo Favaron
Principais Insights
- O congelamento de aluguéis oferece apelo político imediato, mas piora consistentemente a oferta, a qualidade e a acessibilidade da habitação a longo prazo.
- Evidências globais mostram que controles rígidos de aluguel reduzem o investimento, diminuem o estoque de imóveis para locação e, em última análise, elevam os preços quando são suspensos.
- Soluções sustentáveis exigem a expansão da oferta através de planejamento a longo prazo, incentivos e colaborações público-privada, e não congelamento de preços.
A eleição de Zohran Mamdani para a prefeitura de Nova York reacendeu um debate que parece cíclico, e que retorna sempre que o custo da moradia dispara: o congelamento dos aluguéis. A promessa de Mamdani é simples na forma e poderosa no apelo político: congelar os aluguéis por quatro anos para conter o maior surto de preços da história da cidade.
O contexto que levou Mamdani ao poder também ajuda a explicar a força desse discurso. Nova York enfrenta uma combinação inédita de inflação pós-pandemia, aumento de juros, déficit habitacional, queda de renda real e descontentamento generalizado com a gestão urbana.
Famílias de classe média foram expulsas dos bairros tradicionais, jovens foram obrigados a deixar a cidade e a percepção de que “o mercado não funciona mais para quem trabalha” tornou-se dominante.
Essa frustração abriu espaço para uma candidatura com bandeiras fortemente intervencionistas e para propostas que soam, à primeira vista, como uma proteção imediata aos mais pobres. Mas a simplicidade para o eleitor contrasta com a complexidade econômica da medida.
Congelar aluguéis funciona como uma intervenção agressiva num dos mercados mais sensíveis, regulados e heterogêneos do mundo. E a pergunta que se impõe é: por que medidas com grande apelo eleitoral continuam ressurgindo mesmo quando acumulam resultados negativos ao longo de décadas?
A resposta está no descompasso entre o sentimento de urgência e a evidência empírica. Populações pressionadas por aumentos reais da moradia buscam soluções rápidas; políticos, por sua vez, se beneficiam de propostas populares de curto prazo, mesmo que seu impacto seja limitado ou até prejudicial no médio e longo prazo.
Nesse ambiente, congelar o aluguel soa como uma resposta direta e instantânea. A realidade, porém, é que preço é apenas o sintoma visível de um desequilíbrio estrutural entre oferta e demanda, e políticas que atuam sobre o sintoma, e não nas causas, tendem a gerar efeitos colaterais relevantes. É exatamente isso que mostram os casos mais emblemáticos ao redor do mundo.
O problema surgiu imediatamente depois. Em menos de um ano:
O contexto que levou Mamdani ao poder também ajuda a explicar a força desse discurso. Nova York enfrenta uma combinação inédita de inflação pós-pandemia, aumento de juros, déficit habitacional, queda de renda real e descontentamento generalizado com a gestão urbana.
Famílias de classe média foram expulsas dos bairros tradicionais, jovens foram obrigados a deixar a cidade e a percepção de que “o mercado não funciona mais para quem trabalha” tornou-se dominante.
Essa frustração abriu espaço para uma candidatura com bandeiras fortemente intervencionistas e para propostas que soam, à primeira vista, como uma proteção imediata aos mais pobres. Mas a simplicidade para o eleitor contrasta com a complexidade econômica da medida.
Congelar aluguéis funciona como uma intervenção agressiva num dos mercados mais sensíveis, regulados e heterogêneos do mundo. E a pergunta que se impõe é: por que medidas com grande apelo eleitoral continuam ressurgindo mesmo quando acumulam resultados negativos ao longo de décadas?
A resposta está no descompasso entre o sentimento de urgência e a evidência empírica. Populações pressionadas por aumentos reais da moradia buscam soluções rápidas; políticos, por sua vez, se beneficiam de propostas populares de curto prazo, mesmo que seu impacto seja limitado ou até prejudicial no médio e longo prazo.
O contexto da crise e o apelo político do congelamento
O preço mediano de um apartamento de um quarto em NY supera US$ 4.400 por mês, o dobro da média nacional. Os Estados Unidos acumulam um déficit de quatro milhões de unidades. A pressão pós-pandemia, somada à inflação dos últimos anos e à elevação das taxas de juros, empurrou famílias de classe média para a beira da inviabilidade financeira.Nesse ambiente, congelar o aluguel soa como uma resposta direta e instantânea. A realidade, porém, é que preço é apenas o sintoma visível de um desequilíbrio estrutural entre oferta e demanda, e políticas que atuam sobre o sintoma, e não nas causas, tendem a gerar efeitos colaterais relevantes. É exatamente isso que mostram os casos mais emblemáticos ao redor do mundo.
Quando o congelamento virou contra si mesmo: as lições internacionais
Berlim (2020–2021): o experimento que durou pouco e custou caro
Berlim talvez seja o caso mais amplamente estudado. Em fevereiro de 2020, a cidade implementou o Mietendeckel, congelando e reduzindo aluguéis por cinco anos. O impacto inicial foi visível: queda de 6% a 10% nos preços, especialmente nos apartamentos menores.O problema surgiu imediatamente depois. Em menos de um ano:
- A oferta de imóveis para aluguel despencou entre 50% e 70%.
- Milhares de proprietários tiraram suas unidades do mercado, aguardando o fim da lei.
- A conversão para unidades à venda aumentou fortemente.
- Investimentos em manutenção e reformas praticamente pararam.
Após ser implementado em 2020, o congelamento de aluguéis de Berlim, que durou cinco anos, foi rapidamente anulado no ano seguinte devido aos impactos desastrosos que teve no mercado imobiliário. (Adobe Stock)
Catalunha (2020–2022): uma política com efeitos efêmeros e um rebote ainda maior
A Catalunha introduziu limites severos ao preço do aluguel em setembro de 2020. O resultado inicial foi parecido: queda de 4% a 6% nos preços em áreas reguladas. Mas o custo oculto apareceu logo:
-
O estoque disponível encolheu cerca de 10%.
-
O volume de novos contratos caiu 20%.
-
As construções residenciais na região recuaram, enquanto o restante da Espanha cresceu 12%.
Após a revogação da lei em 2022, as cidades catalãs registraram reajustes entre 6% e 8%, um típico efeito rebote, quando o mercado compensa artificialidades temporárias com correções aceleradas.
Paris (2019–atual): impacto limitado e benefício concentrado nos mais ricos
Paris reinstituiu limites aos aluguéis em 2019, após uma tentativa fracassada em 2015. O efeito médio inicial foi modesto: queda de 3% a 5%, sobretudo em imóveis pequenos. Mas a análise da Cour des Comptes revela que:
- Os maiores beneficiários do controle estão em bairros de renda alta.
- A medida não aumentou a oferta.
- O mercado informal explodiu, com contratos por fora e sublocações ilegais.
O congelamento parisiense reduziu levemente os preços, mas não atacou a escassez estrutural e acabou reforçando desigualdades territoriais.
St. Paul (2021–2022): o congelamento mais rígido dos EUA, que durou menos de um ano
Em novembro de 2021, St. Paul aprovou um congelamento quase absoluto: limite de 3% ao ano, sem exceção nem para novas construções. O efeito foi dramático:
- Os lançamentos imobiliários caíram 80% em poucos meses.
- Imóveis multifamiliares perderam até 13% de valor.
- O número de reformas e investimentos estruturais despencou.
Menos de um ano depois, a própria cidade reverteu parte da medida, reconhecendo que havia desorganizado profundamente o mercado.


O congelamento quase absoluto em St. Paul, Minnesota, levou a retrocessos significativos no mercado imobiliário da cidade e foi parcialmente revertido apenas alguns meses após sua implementação. (Adobe Stock)
Seul (2020–2022): quando a rigidez cria escassez e inflação simultaneamente
Seul introduziu um limite de 5% ao aumento de aluguel por contrato e garantiu renovação automática. O resultado foi paradoxal:
- O número de transações caiu abruptamente.
- Os novos contratos subiram até 14% imediatamente antes da lei, proprietários “antecipando” o congelamento.
- A vacância aumentou nos bairros periféricos, enquanto os centrais ficaram ainda mais inacessíveis.
A política foi moderada poucos anos depois.
Experiências históricas: Itália, Argentina, Turquia e EUA
A literatura internacional sobre outros controles rígidos, especialmente congelamentos, oferece conclusões repetidas:
- Na Itália (1915–1978), a política levou ao colapso do mercado de aluguel e acelerou a deterioração urbana.
- Na Argentina, até 45% dos proprietários abandonaram o mercado de locação em alguns períodos.
- Nos EUA, cidades como Nova York e São Francisco viram benefícios concentrados nas famílias de alta renda instaladas há décadas, enquanto novos moradores enfrentam preços recordes.
As experiências internacionais oferecem um consenso raro em políticas urbanas: congelamentos prolongados produzem alívio imediato, mas quase sempre agravam o problema estrutural da oferta. E essa não é apenas uma análise acadêmica.
O GRI Institute, que reúne membros em mais de 100 países e mantém contato direto com líderes e operadores do mercado imobiliário global, acompanha de perto esses movimentos, observa os impactos em tempo real e utiliza esses dados para entender padrões, riscos e consequências de cada escolha regulatória. Esse olhar internacional permite identificar tendências consistentes que ajudam a projetar o que pode ocorrer em Nova York.
O GRI Institute, que reúne membros em mais de 100 países e mantém contato direto com líderes e operadores do mercado imobiliário global, acompanha de perto esses movimentos, observa os impactos em tempo real e utiliza esses dados para entender padrões, riscos e consequências de cada escolha regulatória. Esse olhar internacional permite identificar tendências consistentes que ajudam a projetar o que pode ocorrer em Nova York.
Por que isso acontece? A mecânica econômica por trás da medida
O congelamento do aluguel interfere diretamente na precificação de risco, no retorno e na manutenção do ativo imobiliário. Quando o preço deixa de refletir custo e demanda:
- Cai o incentivo para investir em manutenção.
- Desaparecem projetos de retrofit e reformas estruturais.
- Construtoras deslocam capital para segmentos sem risco de controle.
- Proprietários retiram unidades do mercado ou migram para venda.
- A rotatividade diminui, quem está dentro fica, quem está fora não entra.
O mercado passa a operar com oferta comprimida, deterioração gradual e menos mobilidade urbana. É o oposto da função social da cidade.

Em Seul, Coreia do Sul, o limite de 5% para aumentos de aluguel implementado em 2020 foi rapidamente flexibilizado em 2022. (Adobe Stock)
Por que isso importa para o Brasil?
O Brasil observa de longe esse experimento, mas não está imune a propostas semelhantes. A pressa por respostas imediatas pode nos levar a repetir erros caros. O risco é importar medidas populistas que produzem alívio momentâneo, manchetes positivas e votos, mas que deixam cicatrizes duradouras no mercado.
O congelamento beneficia quem já está no sistema, geralmente de renda média ou alta, e exclui jovens, imigrantes, recém-chegados e trabalhadores que mais precisam de mobilidade urbana. É uma política que cria insiders e outsiders, exatamente o contrário da inclusão.
Para cidades brasileiras que precisam ampliar oferta e atrair investimento, políticas rígidas de controle podem comprometer:
O congelamento beneficia quem já está no sistema, geralmente de renda média ou alta, e exclui jovens, imigrantes, recém-chegados e trabalhadores que mais precisam de mobilidade urbana. É uma política que cria insiders e outsiders, exatamente o contrário da inclusão.
Para cidades brasileiras que precisam ampliar oferta e atrair investimento, políticas rígidas de controle podem comprometer:
- a sustentabilidade financeira de retrofit e adensamento;
- a expansão de moradias para aluguel;
- a parceria público-privada em habitação social;
- a previsibilidade necessária para atrair capital de longo prazo.
Há alternativas, mas exigem coragem política
Existem saídas factíveis para a crise habitacional, mas elas levam tempo, e é justamente isso que as torna pouco atrativas para políticos que buscam impacto imediato. Entre elas:
- Aumentar a oferta por meio de parcerias público-privadas, revisão de zoneamento e flexibilização do uso do solo.
- Incentivar a criação de moradia acessível com contrapartidas claras e previsíveis.
- Subsidiar diretamente o inquilino, não o imóvel, como fazem vouchers habitacionais em vários países.
- Estimular a construção para aluguel com segurança jurídica e incentivos de longo prazo.
- Planejar o adensamento urbano com foco em transporte, infraestrutura e eficiência.
Essas medidas não oferecem um “choque imediato” de popularidade. Mas são as únicas capazes de reduzir preços de forma sustentável, com impacto duradouro no bem-estar urbano.
E é importante também considerar: não se trata de rejeitar toda forma de regulação. Regulamentos bem construídos têm função importante no equilíbrio urbano.
O ponto crítico é que políticas dessa magnitude precisam ser tecnicamente sólidas, discutidas amplamente com todos os setores envolvidos e calibradas para evitar distorções que prejudiquem justamente os grupos que se deseja proteger.
E é importante também considerar: não se trata de rejeitar toda forma de regulação. Regulamentos bem construídos têm função importante no equilíbrio urbano.
O ponto crítico é que políticas dessa magnitude precisam ser tecnicamente sólidas, discutidas amplamente com todos os setores envolvidos e calibradas para evitar distorções que prejudiquem justamente os grupos que se deseja proteger.
Conclusão
Congelar preços pode até aliviar a dor, mas não cura a doença. A crise habitacional pode ser enfrentada, sim, mas não por atalhos que desmontam a oferta e desorganizam o mercado. É preciso construir mais, planejar melhor e adotar políticas que sobrevivam à próxima eleição.
O congelamento de aluguéis tem apelo político imediato, mas impacto estrutural negativo. Ele trata a febre, não a infecção. Reduz o preço no curto prazo, mas destrói a capacidade da cidade de ampliar oferta e garantir mobilidade, diversidade e dinamismo econômico.
Cidades que funcionam são cidades que crescem, e isso significa construir mais, investir mais e remover barreiras ao adensamento inteligente.
A história mostra que não há atalhos: congelar preços não cria moradias. Pelo contrário, congela oportunidades, investimentos e futuro urbano.
Resolver o déficit habitacional exige política pública ousada, planejamento urbano moderno e colaboração entre governo e mercado. E, acima de tudo, exige reconhecer que o inimigo não é o aluguel em si, é a falta de moradias.
O congelamento de aluguéis tem apelo político imediato, mas impacto estrutural negativo. Ele trata a febre, não a infecção. Reduz o preço no curto prazo, mas destrói a capacidade da cidade de ampliar oferta e garantir mobilidade, diversidade e dinamismo econômico.
Cidades que funcionam são cidades que crescem, e isso significa construir mais, investir mais e remover barreiras ao adensamento inteligente.
A história mostra que não há atalhos: congelar preços não cria moradias. Pelo contrário, congela oportunidades, investimentos e futuro urbano.
Resolver o déficit habitacional exige política pública ousada, planejamento urbano moderno e colaboração entre governo e mercado. E, acima de tudo, exige reconhecer que o inimigo não é o aluguel em si, é a falta de moradias.