São Paulo x Cidade do México: como duas megacidades dividem o mercado de galpões

Diferentes desafios e oportunidades marcam a atuação dos principais motores urbanos e logísticos da América Latina

18 de julho de 2025Mercado Imobiliário
Por André Romano

Com populações superiores a 20 milhões de habitantes, São Paulo e Cidade do México são os principais motores urbanos e logísticos da América Latina. No entanto, apesar de apresentarem diversas similaridades - como peso econômico, infraestrutura e dinamismo demográfico - os dois mercados industriais caminham em ritmos e formatos distintos. É o que mostra o estudo Annual Latin America Industrial Market Overview 2024 da JLL.

Segundo o relatório, a Região Metropolitana de São Paulo lidera o ranking latino-americano de estoque de galpões de alto padrão, com aproximadamente 14,5 milhões de m². Esse número representa mais que o dobro do observado na região metropolitana da Cidade do México.

Por outro lado, a metrópole mexicana vem apresentando uma performance mais agressiva em termos de preço e valorização por m². Enquanto o preço médio de locação em São Paulo gira em torno de US$ 4,30/m²/mês, na outra capital ele já ultrapassa os US$ 6,50/m²/mês - um crescimento impulsionado pela escassez de terrenos disponíveis nas regiões mais demandadas, especialmente Tepotzotlán e Cuautitlán, e pela pressão do e-commerce e do nearshoring, que têm elevado a competição por ativos logísticos premium.

Essa valorização também se reflete nas taxas de vacância. Enquanto São Paulo opera com uma taxa média em torno de 6%, a Cidade do México registra um patamar mais apertado, próximo de 4,5%, o que aponta para um mercado ainda mais tensionado e com margem menor para absorver grandes operações em curto prazo.

As diferenças de preço entre os mercados industriais de São Paulo e Cidade do México podem ser atribuídas a uma combinação de fatores:
  • Oferta de terrenos e pressão geográfica: A Cidade do México enfrenta escassez de terrenos disponíveis para desenvolvimento industrial, especialmente nas áreas mais demandadas, o que eleva os preços. Já São Paulo possui maior área de expansão metropolitana, permitindo um crescimento mais distribuído e controlado dos valores de locação;
  • Custo de capital e política monetária: O México conta com um custo de crédito mais estável, além de atratividade crescente no contexto do nearshoring. No Brasil, a taxa Selic elevada encarece investimentos imobiliários e modera a valorização de ativos logísticos;
  • Estrutura tributária: A menor complexidade tributária e a previsibilidade regulatória no México incentivam investidores institucionais estrangeiros, o que pressiona os preços para cima. Já o Brasil, com uma carga tributária mais pesada e fragmentada, acaba atraindo investimentos mais seletivos e de longo prazo
  • Integração com cadeias globais: Enquanto o México é peça-chave em cadeias produtivas norte-americanas - especialmente nos setores automotivo, eletrônico e têxtil - o Brasil tem uma integração mais limitada, com foco no mercado interno e exportações primárias. Isso impacta diretamente a origem da demanda por galpões: no México, ela é amplamente orientada à exportação, enquanto no Brasil é puxada pelo e-commerce e pela redistribuição interna.

Essas dinâmicas estão profundamente ligadas às trajetórias de abertura econômica dos dois países. A partir da década de 1980, o México iniciou uma abertura comercial agressiva, formalizada com o ingresso no GATT (1986) e consolidada pelo NAFTA (1994). Esse movimento atraiu manufaturas voltadas à exportação e impulsionou o modelo das maquiladoras  (fábricas instaladas nas zonas fronteiriças, que demandavam infraestrutura industrial padronizada e integrada à logística internacional).

No Brasil, a abertura foi mais tardia e unilateral, iniciada apenas nos anos 1990 com o governo Collor. Apesar da modernização do parque industrial e da redução de tarifas de importação, o país manteve um perfil mais voltado ao mercado interno e enfrentou uma desindustrialização relativa nas décadas seguintes. O setor logístico avançou, mas com foco em abastecimento doméstico, e não em exportação integrada.

Esse histórico explica parte das diferenças atuais: o México desenvolveu um mercado de imóveis industriais com padrão internacional desde os anos 1990, voltado para empresas estrangeiras e exportadoras, com preços mais altos e menor vacância. Já o Brasil expandiu seu mercado logístico de forma mais recente, com forte presença de operadores nacionais, preços mais acessíveis e maior variação regional.

Por fim, um fator geopolítico que pode favorecer ambas as metrópoles é a intensificação das tensões comerciais entre Estados Unidos e China. O México, por exemplo, ainda não foi alvo de tarifas generalizadas sobre bens industriais e eletrônicos durante a administração Trump, ao contrário da gigante asiática, e se beneficiou da sua integração à cadeia produtiva norte-americana, sobretudo após o USMCA. A proximidade geográfica e os acordos comerciais em vigor permitem que o país atue como plataforma de nacionalização e montagem final de mercadorias originadas de países sujeitos a tarifas mais altas nos EUA.

Já o Brasil, apesar de ter sido recentemente incluído em uma tarifa de 10% sobre todas as exportações para os Estados Unidos, possui vantagens estruturais que podem sustentá-lo como destino de investimentos industriais: grande disponibilidade de terra, mão de obra e um dos menores custos de locação de imóveis industriais “classe A” da América Latina. Essa combinação pode posicionar o Brasil como alternativa viável para empresas que buscam diversificar cadeias de suprimento e reduzir custos operacionais fora do eixo Ásia-EUA.

Em um momento em que o mercado industrial latino-americano ganha destaque por sua resiliência e potencial de expansão, São Paulo e Cidade do México permanecem como pontos de ancoragem. Cada uma, à sua maneira, ilustra os caminhos possíveis para o desenvolvimento industrial urbano no século XXI - um modelo mais disperso, voltado ao consumo interno, no caso brasileiro, e outro mais concentrado, voltado à exportação e à integração regional, no caso mexicano.

André Romano é gerente de Industrial, Logística e Data Centers da JLL.