Tokenização imobiliária cresce com acesso ao crowdfunding e mercado de capitais

Desafios regulatórios e jurídicos são centrais no avanço do modelo inovador de financiamento

17 de outubro de 2025Mercado Imobiliário
Por Isabella Toledo

O debate atual sobre a tokenização de ativos imobiliários no Brasil organiza-se em três eixos centrais: a atuação regulatória da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), a segurança jurídica assegurada pelo Registro de Imóveis e o potencial de desenvolvimento do mercado de financiamento.

Uma ponte entre o setor imobiliário e o mercado de capitais

A tokenização vem sendo utilizada como instrumento de fomento no setor, com propostas que envolvem redução de custos de intermediação, ampliação do acesso a capital e criação de alternativas para financiar projetos e, gradualmente, o mutuário final.

Atualmente, os ativos imobiliários representam cerca de 4,1% do mercado de capitais brasileiro, estimado em R$ 16,6 trilhões. Um ponto recorrente no debate é o financiamento ao mutuário, tradicionalmente concentrado em grandes bancos e ancorado no funding da poupança.

Com a retração desse funding, ganham relevância estruturas de mercado de capitais como CRI (Certificado de Recebíveis Imobiliários), LCI (Letra de Crédito Imobiliário) e dívidas lastreadas em recebíveis. 

Nesse contexto, a tokenização é discutida como mecanismo para simplificar originação, distribuição e pós-negociação, com potencial de reduzir o custo total de captação e, por consequência, a taxa ao tomador.

A aplicação mais frequente até o momento ocorre no financiamento ao pequeno e médio incorporador via crowdfunding, por meio de tokens de dívida. Nesses casos, observa-se acesso a recursos com maior governança e preços mais competitivos em relação a fontes informais, inclusive operações em patamar de CDI (Certificado de Depósito Interbancário) + 8%, conforme o risco e a estrutura.

No curto prazo, discute-se a organização da dívida para financiar empreendedores e projetos, destravar cronogramas e formar histórico para estruturas mais amplas. 

À medida que ganham escala, padronização e trilhas de auditoria, iniciativas de tokenização são avaliadas como possíveis vetores de migração gradual de funding do sistema bancário para o mercado de capitais, com atenção à segurança jurídica e à experiência do investidor.

Desafios na regulamentação de tokens

A CVM tem atuado para orientar o avanço da tokenização, buscando dar clareza ao mercado sem frear a inovação. O principal desafio regulatório é definir quando um token de ativo imobiliário se enquadra como valor mobiliário e, portanto, passa à competência da autarquia.

A referência para esse enquadramento é o Parecer de Orientação 40, de outubro de 2022, que consolidou o entendimento sobre a aplicação dos critérios de Contrato de Investimento Coletivo (CIC). 

Esses critérios permitem distinguir, por exemplo, um token que apenas representa digitalmente um imóvel - e que não atrairia automaticamente a CVM - de outro que confere expectativa de benefício econômico decorrente do esforço de terceiros.

Para lidar com o volume crescente de tokens de renda fixa e de recebíveis imobiliários, a autarquia adota o regime de crowdfunding, previsto na Resolução CVM 88, como mecanismo regulatório mais suave. 

A estratégia viabiliza captações para novos empreendedores - o mercado de dívida via crowdfunding cresceu mais de 25 vezes, de R$ 130 milhões para uma projeção de R$ 5 bilhões no ano - e, ao mesmo tempo, preserva o espaço do mercado do “Fácil”, destinado a companhias de pequeno porte com faturamento de até R$ 500 milhões.

Contudo, a regra de crowdfunding não é plenamente aderente aos tokens de renda fixa e vem sendo revisitada. As discussões buscam simplificar a jornada do investidor e aprimorar a norma para permitir o acesso de um número maior de empresas.

A linha fina entre direito pessoal e direito real

O debate central na indústria é definir o que exatamente está sendo tokenizado: direitos pessoais/obrigacionais, como dívida e recebíveis, ou direitos reais, como a própria propriedade do imóvel.

A tokenização de direitos pessoais é amplamente aceita, com paralelos em instrumentos como CRI, cédulas imobiliárias e fundos de investimento. O risco surge quando se tenta aplicar um regime típico de bens móveis à transferência de imóveis - ou de direitos que se reconvertem em propriedade - sem observar a liturgia do Registro de Imóveis.

Especialistas lembram que o sistema brasileiro de Registro de Imóveis é altamente protetivo, pois assegura a posição do titular e do adquirente com base em cinco elementos: clareza, assessoramento técnico-jurídico, depuração documental conforme a lei, presunção e responsabilidade - incluindo a responsabilização estatal em caso de erro na cadeia registral. 

Ao afastar esses mecanismos em um modelo tokenizado sem a adequada intervenção de profissionais do direito, aumenta-se o risco de nulidade em eventual apreciação judicial.

A diretriz prática tem sido: se o direito tokenizado se comporta como direito real, deve receber tratamento jurídico equivalente, ainda que seja apresentado formalmente como direito pessoal.