Crédito: twenty20photos / EnvatoPandemia não abala contratos no mercado imobiliário
Advogados elogiam atuação do Poder Judiciário, embora negociações tenham evitado avalanche de litígios
10 de março de 2021Mercado Imobiliário
Quando a pandemia do novo coronavírus chegou ao Brasil, uma das grandes preocupações dos proprietários de imóveis foi com o descumprimento dos contratos devido ao comprometimento da renda dos inquilinos, fossem eles famílias, fossem grandes empresas locatárias de escritórios ou lojas.
Cristiane Mamprin, sócia do BMA Advogados na área de Negócios Imobiliários, lembra que, no início da pandemia, o contexto de pânico desencadeou uma enormidade de pedidos de descontos ou diferimento no pagamento dos aluguéis.
Para Fernanda Mustacchi, sócia fundadora da Mustacchi Advogados, este movimento também teve um traço oportunista: "Algumas pessoas dificultaram o nosso trabalho. Quem não teve problemas na sua atividade e quis se aproveitar disso, atrapalhou a possibilidade de conseguirmos ajudar quem realmente precisava", recorda a especialista.
José Paulo Marzagão, sócio da Tauil & Chequer, ressalta que, em um primeiro momento, grande parte dos locadores aceitou as reivindicações dos locatários. Entretanto, com o prolongamento da pandemia, o cenário mudou.
"Passado esse primeiro momento, percebeu-se que a pandemia não estava afetando apenas o locatário, mas também o locador, e houve uma série de ações para analisar as situações caso a caso. Se não for comprovado o comprometimento da rentabilidade do inquilino, não há motivo para revisão ou suspensão do aluguel", diz o executivo.
Vale lembrar, todavia, que os segmentos do setor imobiliário foram diferentemente afetados pela pandemia, assim como seus respectivos contratos de locação. Mamprin enaltece que essa diferenciação demorou para ser assimilada pelo mercado e pelo Poder Judiciário.
"No início, foi tudo compreendido da mesma maneira. Com o tempo, porém, a sensação de pânico diminuiu, o setor amadureceu e os efeitos da pandemia nos contratos de locação ficaram mais claros para cada segmento", afirma a advogada.
Dois segmentos intensamente afetados pela Covid-19 e pelo isolamento social foram os shopping centers e as lajes corporativas, que se viram desocupados por longos períodos. Apesar de tal semelhança, existe uma diferença vital entre os setores.
"No caso dos shopping centers, os locatários foram proibidos de atuar. Por isso, houve um movimento muito forte do Judiciário no sentido de efetivamente suspender o aluguel ou até mesmo decretar a não incidência do aluguel enquanto o inquilino não pudesse explorar o imóvel. Nas lojas de rua a situação é a mesma", garante Marzagão.
Já nos escritórios, a questão se trata de uma decisão pessoal ou empresarial: "Por mais que a imensa maioria das empresas tenha aderido ao home office, não houve a suspensão do uso de lajes corporativas. Os espaços estavam abertos e quem se sentisse à vontade, poderia explorá-los", complementa o sócio da Tauil & Chequer.
De outro lado, está o segmento de galpões logísticos, que ganhou força na pandemia, principalmente pelo crescimento do e-commerce. Neste caso, os contratos de locação foram cumpridos com mais precisão, inclusive com naturais reajustes conforme o Índice Geral de Preços - Mercado (IGP-M), que encerrou fevereiro com alta de 28,94% em 12 meses.
"Em função do bom momento, vimos um rigor maior nas locações de galpões logísticos. Claro que houve pedidos de negociação no início da pandemia, mas depois percebeu-se que não há como pensar na redução de valor. Na verdade, em muitos casos já se discute expansão, ou seja, o aluguel de novos espaços", aponta Mamprin.
Sobre a diferença citada entre os segmentos, Mustacchi revela que, nos casos envolvendo setores muito afetados pela pandemia, o escritório tentou convencer os clientes, enquanto proprietários, a fazerem acordos com os inquilinos. A advogada exemplifica alguns deles.
"Presumindo que o locatário está agindo de boa-fé, em geral eram oferecidos descontos entre 20% a 50% durante dois ou três meses. Outra estrutura de negociação usada foi o diferimento, no qual parte do valor da locação é transferido para um momento futuro. Ainda existiam negociações com a concessão de descontos mediante acréscimo do período de contrato", declara.
"É inerente a esse tipo de contratação que o comprador tenha um planejamento de manutenção de renda a longo prazo, principalmente em razão da enorme instabilidade de emprego no Brasil. A princípio, a perda do emprego é mera dificuldade e não gera impossibilidade de pagamento", diz a sócia do BMA.
"Portanto, para buscar condições melhores às oferecidas na Lei do Distrato, o adquirente teria de comprovar que o índice de desemprego cresceu astronomicamente. A multa protege as incorporadoras e, consequentemente, os demais compradores, que contam com esse recurso para a construção do prédio", acrescenta a especialista.
Marzagão confirma que as decisões do Judiciário têm caminhado neste sentido: "Não houve flexibilização na aplicação da Lei do Distrato em função da Covid-19. Pelo contrário, existe uma preocupação do Judiciário na manutenção da relação jurídica [pacificada anteriormente à pandemia]".
Considerando tal cenário, o sócio da Tauil & Chequer ressalta que, nos casos em que o comprador do imóvel efetivamente comprova a perda de renda, o Poder Judiciário tem incentivado o diferimento de uma determinada prestação, ao invés da mera rescisão contratual.
Essa possibilidade, por sua vez, pode ser viável antes mesmo da disputa judicial. Segundo a sócia fundadora da Mustacchi Advogados, houve um intenso número de negociações na pandemia, as quais envolveram justamente a suspensão da cobrança de parcelas ou o "congelamento do índice".
No segundo quadro, Mustacchi se refere ao Índice Nacional de Custo da Construção (INCC), medido pela Fundação Getulio Vargas (FGV), que encerrou fevereiro com alta acumulada de 10,18% em 12 meses. Como ele é o indexador padrão dos imóveis adquiridos na planta, o pagamento das parcelas por parte dos adquirentes tem sido ainda mais desafiador.
É importante lembrar, contudo, que o Judiciário tem assimilado os argumentos das incorporadoras, novamente para manter as relações jurídicas. De acordo com Marzagão, levando em conta os problemas com insumos e as dificuldades de execução das obras nos canteiros, há uma tendência de se flexibilizar os prazos de conclusão dos empreendimentos.
"Vamos regular a alocação do risco pelo seu efeito. No caso da locação, por exemplo, poderá haver uma cláusula que estabeleça as consequências caso o locatário seja impedido de explorar o imóvel", indica.
Enquanto isso, Mustacchi ressalta a possibilidade de manutenção de uma posição mais negociadora entre as partes: "O ideal seria a gente nem se preocupar com o aspecto jurídico e seguir somente o bom senso. Quando há um litígio, todos saem perdendo".
Para Marzagão, por sua vez, o maior aprendizado da pandemia é que não se pode buscar soluções casuísticas: "Ao aplicar a lei, você não está piorando a situação, mas trazendo uma segurança jurídica, que é o que precisamos nesse país".
Cristiane Mamprin, sócia do BMA Advogados na área de Negócios Imobiliários, lembra que, no início da pandemia, o contexto de pânico desencadeou uma enormidade de pedidos de descontos ou diferimento no pagamento dos aluguéis.
Para Fernanda Mustacchi, sócia fundadora da Mustacchi Advogados, este movimento também teve um traço oportunista: "Algumas pessoas dificultaram o nosso trabalho. Quem não teve problemas na sua atividade e quis se aproveitar disso, atrapalhou a possibilidade de conseguirmos ajudar quem realmente precisava", recorda a especialista.
José Paulo Marzagão, sócio da Tauil & Chequer, ressalta que, em um primeiro momento, grande parte dos locadores aceitou as reivindicações dos locatários. Entretanto, com o prolongamento da pandemia, o cenário mudou.
"Passado esse primeiro momento, percebeu-se que a pandemia não estava afetando apenas o locatário, mas também o locador, e houve uma série de ações para analisar as situações caso a caso. Se não for comprovado o comprometimento da rentabilidade do inquilino, não há motivo para revisão ou suspensão do aluguel", diz o executivo.
Vale lembrar, todavia, que os segmentos do setor imobiliário foram diferentemente afetados pela pandemia, assim como seus respectivos contratos de locação. Mamprin enaltece que essa diferenciação demorou para ser assimilada pelo mercado e pelo Poder Judiciário.
"No início, foi tudo compreendido da mesma maneira. Com o tempo, porém, a sensação de pânico diminuiu, o setor amadureceu e os efeitos da pandemia nos contratos de locação ficaram mais claros para cada segmento", afirma a advogada.
Dois segmentos intensamente afetados pela Covid-19 e pelo isolamento social foram os shopping centers e as lajes corporativas, que se viram desocupados por longos períodos. Apesar de tal semelhança, existe uma diferença vital entre os setores.
"No caso dos shopping centers, os locatários foram proibidos de atuar. Por isso, houve um movimento muito forte do Judiciário no sentido de efetivamente suspender o aluguel ou até mesmo decretar a não incidência do aluguel enquanto o inquilino não pudesse explorar o imóvel. Nas lojas de rua a situação é a mesma", garante Marzagão.
Já nos escritórios, a questão se trata de uma decisão pessoal ou empresarial: "Por mais que a imensa maioria das empresas tenha aderido ao home office, não houve a suspensão do uso de lajes corporativas. Os espaços estavam abertos e quem se sentisse à vontade, poderia explorá-los", complementa o sócio da Tauil & Chequer.
De outro lado, está o segmento de galpões logísticos, que ganhou força na pandemia, principalmente pelo crescimento do e-commerce. Neste caso, os contratos de locação foram cumpridos com mais precisão, inclusive com naturais reajustes conforme o Índice Geral de Preços - Mercado (IGP-M), que encerrou fevereiro com alta de 28,94% em 12 meses.
"Em função do bom momento, vimos um rigor maior nas locações de galpões logísticos. Claro que houve pedidos de negociação no início da pandemia, mas depois percebeu-se que não há como pensar na redução de valor. Na verdade, em muitos casos já se discute expansão, ou seja, o aluguel de novos espaços", aponta Mamprin.
Sobre a diferença citada entre os segmentos, Mustacchi revela que, nos casos envolvendo setores muito afetados pela pandemia, o escritório tentou convencer os clientes, enquanto proprietários, a fazerem acordos com os inquilinos. A advogada exemplifica alguns deles.
"Presumindo que o locatário está agindo de boa-fé, em geral eram oferecidos descontos entre 20% a 50% durante dois ou três meses. Outra estrutura de negociação usada foi o diferimento, no qual parte do valor da locação é transferido para um momento futuro. Ainda existiam negociações com a concessão de descontos mediante acréscimo do período de contrato", declara.
Contratos imobiliários de compra e venda
Ainda que menos, os contratos imobiliários residenciais de compra e venda também foram ameaçados pela pandemia. Um dos grandes receios por parte de incorporadoras e loteadoras é que a perda de renda dos adquirentes pudesse aumentar a quantidade de distratos, o que na prática não se comprovou, até pela correta atuação do Poder Judiciário."É inerente a esse tipo de contratação que o comprador tenha um planejamento de manutenção de renda a longo prazo, principalmente em razão da enorme instabilidade de emprego no Brasil. A princípio, a perda do emprego é mera dificuldade e não gera impossibilidade de pagamento", diz a sócia do BMA.
"Portanto, para buscar condições melhores às oferecidas na Lei do Distrato, o adquirente teria de comprovar que o índice de desemprego cresceu astronomicamente. A multa protege as incorporadoras e, consequentemente, os demais compradores, que contam com esse recurso para a construção do prédio", acrescenta a especialista.
Marzagão confirma que as decisões do Judiciário têm caminhado neste sentido: "Não houve flexibilização na aplicação da Lei do Distrato em função da Covid-19. Pelo contrário, existe uma preocupação do Judiciário na manutenção da relação jurídica [pacificada anteriormente à pandemia]".
Considerando tal cenário, o sócio da Tauil & Chequer ressalta que, nos casos em que o comprador do imóvel efetivamente comprova a perda de renda, o Poder Judiciário tem incentivado o diferimento de uma determinada prestação, ao invés da mera rescisão contratual.
Essa possibilidade, por sua vez, pode ser viável antes mesmo da disputa judicial. Segundo a sócia fundadora da Mustacchi Advogados, houve um intenso número de negociações na pandemia, as quais envolveram justamente a suspensão da cobrança de parcelas ou o "congelamento do índice".
No segundo quadro, Mustacchi se refere ao Índice Nacional de Custo da Construção (INCC), medido pela Fundação Getulio Vargas (FGV), que encerrou fevereiro com alta acumulada de 10,18% em 12 meses. Como ele é o indexador padrão dos imóveis adquiridos na planta, o pagamento das parcelas por parte dos adquirentes tem sido ainda mais desafiador.
É importante lembrar, contudo, que o Judiciário tem assimilado os argumentos das incorporadoras, novamente para manter as relações jurídicas. De acordo com Marzagão, levando em conta os problemas com insumos e as dificuldades de execução das obras nos canteiros, há uma tendência de se flexibilizar os prazos de conclusão dos empreendimentos.
Aprendizados na esfera jurídica
Por fim, os três especialistas compartilham aprendizados que enriqueceram a esfera jurídica durante a pandemia da Covid-19. Para Mamprin, certamente os novos contratos irão estabelecer regramentos para situações atípicas, como a que vivemos atualmente."Vamos regular a alocação do risco pelo seu efeito. No caso da locação, por exemplo, poderá haver uma cláusula que estabeleça as consequências caso o locatário seja impedido de explorar o imóvel", indica.
Enquanto isso, Mustacchi ressalta a possibilidade de manutenção de uma posição mais negociadora entre as partes: "O ideal seria a gente nem se preocupar com o aspecto jurídico e seguir somente o bom senso. Quando há um litígio, todos saem perdendo".
Para Marzagão, por sua vez, o maior aprendizado da pandemia é que não se pode buscar soluções casuísticas: "Ao aplicar a lei, você não está piorando a situação, mas trazendo uma segurança jurídica, que é o que precisamos nesse país".
