Desafios e oportunidades na gestão de empreendimentos Build-to-Rent e multifamily

Evolução do modelo depende de profissionalização, segmentação e adaptação às novas demandas do mercado de locação brasileiro

11 de novembro de 2025Mercado Imobiliário
Escrito por:Isabella Toledo

Principais Insights

  • O mercado de multifamily e Build-to-Rent (BTR) no Brasil está em fase inicial, com boas perspectivas de expansão, impulsionado pela crescente inacessibilidade à compra de imóveis e pela migração forçada para o mercado de locação.
  • O setor enfrenta desafios relacionados à falta de especialização em gestão de locação, com barreiras operacionais devido ao modelo tradicional de vendas e à necessidade de adaptação às especificidades do setor.
  • A escalabilidade do modelo exige equilíbrio entre preço por metro quadrado e os serviços oferecidos, com crescente demanda por imóveis mobiliados e contratos de locação flexíveis.
  • O mercado deve se especializar e segmentar, diferenciando os empreendimentos de habitação acessível daqueles voltados para públicos de maior poder aquisitivo, com foco em gestão eficiente e estratégias de crescimento.

O mercado de multifamily e Build-to-Rent (BTR) no Brasil encontra-se em um estágio inicial de crescimento, com grandes perspectivas de evolução, mas também enfrenta desafios significativos, como questões culturais, regulatórias e operacionais, que exigem ajustes tanto no pensamento quanto nas práticas do mercado.

Uma solução para a crise habitacional

A convicção no crescimento sustentável do mercado de residencial para renda no Brasil é respaldada por um fator estrutural fundamental: a crescente inacessibilidade à compra de imóveis nas grandes metrópoles, especialmente em São Paulo. 

Este movimento não reflete apenas a resposta à demanda por moradia de qualidade, mas também constitui uma estratégia para ampliar o acesso à habitação, oferecendo soluções de locação para uma população que, diante dos elevados custos de financiamento e da dificuldade no acesso ao crédito, tem se visto cada vez mais afastada da possibilidade de aquisição de imóveis.

A consequência direta desse cenário é a migração forçada para o mercado de locação, o que justifica o interesse por investimentos institucionais no setor, uma vez que o valor dos aluguéis tem acompanhado o aumento dos custos, mantendo a atratividade do ativo. 

Desafios de operação e adaptação no Brasil

Historicamente, as incorporadoras e desenvolvedores no Brasil focavam principalmente na venda de imóveis. A gestão de locação não fazia parte do seu core business, o que resultou em uma estrutura de gestão menos profissionalizada, voltada essencialmente para a entrega do imóvel.

Por isso, uma das principais barreiras enfrentadas é a falta de especialização no setor de locação profissionalizada. O modelo tradicional de administração, focado em condomínios e vendas, mostrou-se inadequado para o modelo multifamily, que exige uma gestão mais intensiva e contínua do ativo. 

Além disso, a estrutura operacional existente entra em conflito com as necessidades do modelo multifamily. O tradicional enfoque em assembleias e convenções é incompatível com a gestão de empreendimentos de propriedade única voltados para locação, que demandam um modelo de operação mais ágil e simplificado.

A falta de uma estrutura adequada levou os primeiros players do setor a desenvolverem modelos próprios de gestão. Com a escassez de empresas especializadas, foi necessário criar uma operação interna que abarcasse todas as funções de leasing e marketing, capazes de absorver rapidamente o estoque de unidades para locação, algo que não fazia parte do escopo das administradoras tradicionais.

Outro desafio significativo refere-se à educação do mercado e à adaptação do consumidor ao novo modelo. No Brasil, muitos consumidores ainda não compreendem totalmente as expectativas em relação ao serviço de locação profissionalizada, confundindo-o com modelos de hotelaria. 

Essa confusão gera uma discrepância entre o que é oferecido e o que os locatários esperam, principalmente quando se trata de serviços como limpeza e manutenção.

Diante desse cenário, muitas incorporadoras se viram obrigadas a investir em campanhas de conscientização para explicar as vantagens do modelo, destacando a flexibilidade e a conveniência de imóveis prontos para morar.

O preço é o principal fator de decisão?

No Brasil, a escalabilidade do modelo multifamily exige um equilíbrio estratégico entre o preço por metro quadrado e os serviços oferecidos, especialmente para imóveis de locação de valor médio.

Uma prática comum adotada por muitas incorporadoras é a locação baseada em pacotes, que incluem aluguel, condomínio, IPTU e serviços como manutenção e limpeza. Essa abordagem proporciona maior clareza sobre o custo total para o inquilino, evitando surpresas durante a estadia e facilitando a compreensão do valor agregado.

A demanda por imóveis mobiliados tem crescido substancialmente, especialmente entre inquilinos de renda média e alta. Estima-se que cerca de 50% dos apartamentos nesse segmento sejam mobiliados, evidenciando uma crescente preferência por soluções práticas e de fácil adaptação.

Para o público de maior poder aquisitivo, com pacotes de locação superiores a R$185/m², a mobília se tornou um diferencial relevante. Inquilinos nesse perfil estão dispostos a pagar um adicional de R$2 mil a R$3 mil mensais por imóveis totalmente mobiliados, reconhecendo o valor agregado que essa comodidade oferece.

No segmento de renda acessível e média, por sua vez, os imóveis são 100% mobiliados, mas sem enxoval ou decoração adicional. Nesse caso, a mobília não é vista como um diferencial de valor, mas como uma solução para reduzir o atrito e facilitar a mudança, especialmente para inquilinos que se mudam de outras cidades ou países.

O tempo de contrato também se configura como um fator crucial para a operação. Quanto mais longo for o contrato, mais eficiente será a operação, uma vez que isso contribui para a redução do custo de aquisição de clientes (CAC) e diminui os custos administrativos relacionados à cobrança e ao processo de ajustes nos imóveis.

Embora a demanda por contratos de curto e médio prazo tenha aumentado, em função da incerteza econômica e das mudanças no mercado de trabalho, muitos inquilinos ainda buscam contratos mais flexíveis, com durações de 6 a 12 meses, que oferecem maior mobilidade e adaptabilidade.

Para locações de longo prazo (long stay), os contratos variam entre 8 e 17 meses, mas há uma tendência crescente para contratos mais longos, com durações de 18, 24 ou até 30 meses. Isso contribui para a redução do esforço de renovação e oferece maior estabilidade financeira aos empreendimentos. 

No caso das locações de curto prazo (short stay), locações acima de 20 dias têm uma média de duração de 4 meses.

A flexibilidade nas condições de locação, tanto em relação ao tipo de imóvel quanto ao formato do contrato, tem se destacado como um diferencial competitivo importante. 

Além disso, a oferta de serviços adicionais, como limpeza e café da manhã, tem gerado valor agregado, atraindo especialmente um público mais exigente.

Rumo à especialização e segmentação

Apesar do otimismo, o mercado de multifamily no Brasil ainda está em sua fase inicial e exige um amadurecimento significativo. É fundamental que o setor passe a tratar os conceitos de short, mid e long stay de maneira mais segmentada e estruturada, sem englobar todos sob a denominação de "multifamily".

Nesse contexto, a principal tendência emergente é a segmentação do mercado, distinguindo empreendimentos voltados para "aluguel acessível" daqueles destinados a um público com maior poder aquisitivo. 

No entanto, mesmo ao atender a esse público de maior renda, é fundamental manter a estratégia de gestão eficiente, com custos controlados, a fim de garantir a sustentabilidade dos projetos.

Com esse amadurecimento do mercado e a adoção de estratégias mais específicas, há uma forte convicção de que o setor de multifamily no Brasil continuará a se expandir, independentemente do cenário político. 

A queda das taxas de juros - mesmo que não retornem aos níveis baixos observados durante a pandemia, mas se estabilizem em patamares mais acessíveis - tornará o desenvolvimento de novos projetos muito mais viável, impulsionando ainda mais o crescimento do setor.
 
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