
Reforma do setor elétrico traz mudanças profundas e divide opiniões
Autoridades, reguladores, empresários e investidores debatem, em Brasília, o impacto das Medidas Provisórias 1300, 1304 e 1307
1 de setembro de 2025Infraestrutura
Por Belén Palkovsky
Uma recente mesa-redonda do GRI Institute sobre a reforma do setor elétrico, realizada em Brasília, reuniu autoridades, reguladores, empresários e investidores para discutir o impacto das Medidas Provisórias 1300, 1304 e 1307.
Estiveram presentes Agnes da Costa, diretora da ANEEL; Fernando Colli Munhoz, secretário executivo-adjunto do Ministério de Minas e Energia do Brasil; Luiz Fernando Leone Vianna, VP Institucional e Regulatório do Grupo Delta Energia; e Sérgio Cabral, vice-presidente de Comercialização da CEMIG, entre outros executivos atuantes no setor.
As MPs, que atualmente somam 1.191 emendas no Congresso, são vistas como um marco na reorganização do setor elétrico, com alterações que vão desde a governança institucional até a revisão de subsídios e encargos.
A MP 1300 estabelece a abertura gradual do mercado para consumidores de baixa tensão a partir de agosto de 2026, com liberalização total em dezembro de 2027. Mas empresas como a CEMIG já se antecipam a essa mudança, atingindo a marca de 10.000 unidades consumidoras no mercado livre.
Também propõe a reformulação da tarifa social, substituindo o modelo de descontos escalonados pela gratuidade para consumo de até 80 kWh/mês. A intenção é simplificar a comunicação com o consumidor de baixa renda, incentivar o uso eficiente de energia, reduzir perdas e uniformizar o tratamento em todo o país.
Outro ponto é a determinação de separar formalmente as atividades de distribuição e comercialização de energia. Embora algumas empresas, como a CEMIG, já operem com essa divisão, a MP impõe regras que podem impedir o compartilhamento de estruturas administrativas entre as duas operações. Hoje, é comum que áreas como recursos humanos e jurídico atendam simultaneamente as duas frentes, gerando economia de escala. Com a exigência de equipes e estruturas separadas, haveria aumento de custos operacionais, o que, segundo participantes, poderia se refletir nas tarifas pagas pelo consumidor final.
A MP 1304, por sua vez, fixa um teto para a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) e encaminha leilões para hidrelétricas e reserva de capacidade, mas persiste a incerteza sobre o orçamento da CDE para 2026, estimado em R$40 bilhões. Já a MP 1307 trata das Zonas de Processamento de Exportação (ZPEs), determinando que empresas nessas áreas - como data centers - adquiram energia nova (proveniente de usinas recém-instaladas) e de fontes renováveis.
O fim do desconto na Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição (TUSD) para energia incentivada foi identificado como um dos temas mais sensíveis. O benefício representa atualmente cerca de R$10 bilhões em encargos e, segundo os executivos, transfere custos para consumidores sem direito ao desconto. Autoridades presentes afirmam que a transição pode ser discutida, mas a extinção do subsídio é uma decisão definitiva.
Por outro lado, o curtailment, ou corte de geração - embora não esteja previsto nas MPs - foi amplamente debatido. O problema, causado por excesso de oferta de fontes renováveis, limitações na transmissão e variações de demanda, já é alvo de grupos de trabalho no MME e na ANEEL. Há preocupação com a judicialização e com a necessidade de regras claras e transparentes por parte do Operador Nacional do Sistema para priorização e compensações.
A geração distribuída também ganhou destaque. Atualmente com 40 GW instalados e potencial para chegar a 60 GW nos próximos anos no Brasil, a GD tem investimentos estimados em R$300 bilhões. Além de reduzir a carga, pode atuar como ativo de rede quando combinada a baterias. Entretanto, a ausência de um marco regulatório para o armazenamento e para a atuação da GD como recurso de rede é vista como um entrave.
Críticas também foram feitas à figura do autoprodutor por equiparação, que permite a consumidores tornarem-se sócios de geradores independentes. Para parte dos participantes, isso distorce o conceito original de autoprodução e transfere encargos aos demais consumidores.
Outro desafio mencionado é a diferença de preços entre regiões, como Nordeste e Sul/Sudeste, agravada pela falta de linhas de transmissão. Essa disparidade prejudica a previsibilidade e a competitividade do mercado, e sua solução depende de investimentos estruturais de longo prazo.
Com a abertura do mercado, cresce a preocupação com as garantias financeiras das comercializadoras. A ausência de limites claros para índices de alavancagem e requisitos de segurança pode gerar riscos de desabastecimento ou encarecimento das tarifas para os consumidores.
Contudo, as falas refletem diferentes perspectivas. O MME defende que a reforma é abrangente e que a escolha de não incluir todos os temas em um único pacote foi estratégica para viabilizar sua aprovação. A ANEEL destaca que a implementação dependerá de decretos e portarias, vendo o processo como parte da modernização contínua do setor. A CEMIG celebra a abertura do mercado, mas reforça preocupações com o fim do “desconto no fio” (benefício na TUSD concedido a consumidores que compram energia de fontes renováveis). Já investidores alertam para a velocidade das mudanças e pedem um debate mais pragmático sobre curtailment e a regulamentação do armazenamento em larga escala.
Em suma, as MPs representam um passo importante, mas sua efetividade dependerá de negociações cuidadosas para equilibrar eficiência, competitividade, segurança jurídica e proteção ao consumidor.
Uma recente mesa-redonda do GRI Institute sobre a reforma do setor elétrico, realizada em Brasília, reuniu autoridades, reguladores, empresários e investidores para discutir o impacto das Medidas Provisórias 1300, 1304 e 1307.
Estiveram presentes Agnes da Costa, diretora da ANEEL; Fernando Colli Munhoz, secretário executivo-adjunto do Ministério de Minas e Energia do Brasil; Luiz Fernando Leone Vianna, VP Institucional e Regulatório do Grupo Delta Energia; e Sérgio Cabral, vice-presidente de Comercialização da CEMIG, entre outros executivos atuantes no setor.
As MPs, que atualmente somam 1.191 emendas no Congresso, são vistas como um marco na reorganização do setor elétrico, com alterações que vão desde a governança institucional até a revisão de subsídios e encargos.
A MP 1300 estabelece a abertura gradual do mercado para consumidores de baixa tensão a partir de agosto de 2026, com liberalização total em dezembro de 2027. Mas empresas como a CEMIG já se antecipam a essa mudança, atingindo a marca de 10.000 unidades consumidoras no mercado livre.
Também propõe a reformulação da tarifa social, substituindo o modelo de descontos escalonados pela gratuidade para consumo de até 80 kWh/mês. A intenção é simplificar a comunicação com o consumidor de baixa renda, incentivar o uso eficiente de energia, reduzir perdas e uniformizar o tratamento em todo o país.
Outro ponto é a determinação de separar formalmente as atividades de distribuição e comercialização de energia. Embora algumas empresas, como a CEMIG, já operem com essa divisão, a MP impõe regras que podem impedir o compartilhamento de estruturas administrativas entre as duas operações. Hoje, é comum que áreas como recursos humanos e jurídico atendam simultaneamente as duas frentes, gerando economia de escala. Com a exigência de equipes e estruturas separadas, haveria aumento de custos operacionais, o que, segundo participantes, poderia se refletir nas tarifas pagas pelo consumidor final.
A MP 1304, por sua vez, fixa um teto para a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) e encaminha leilões para hidrelétricas e reserva de capacidade, mas persiste a incerteza sobre o orçamento da CDE para 2026, estimado em R$40 bilhões. Já a MP 1307 trata das Zonas de Processamento de Exportação (ZPEs), determinando que empresas nessas áreas - como data centers - adquiram energia nova (proveniente de usinas recém-instaladas) e de fontes renováveis.
O fim do desconto na Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição (TUSD) para energia incentivada foi identificado como um dos temas mais sensíveis. O benefício representa atualmente cerca de R$10 bilhões em encargos e, segundo os executivos, transfere custos para consumidores sem direito ao desconto. Autoridades presentes afirmam que a transição pode ser discutida, mas a extinção do subsídio é uma decisão definitiva.
Por outro lado, o curtailment, ou corte de geração - embora não esteja previsto nas MPs - foi amplamente debatido. O problema, causado por excesso de oferta de fontes renováveis, limitações na transmissão e variações de demanda, já é alvo de grupos de trabalho no MME e na ANEEL. Há preocupação com a judicialização e com a necessidade de regras claras e transparentes por parte do Operador Nacional do Sistema para priorização e compensações.
A geração distribuída também ganhou destaque. Atualmente com 40 GW instalados e potencial para chegar a 60 GW nos próximos anos no Brasil, a GD tem investimentos estimados em R$300 bilhões. Além de reduzir a carga, pode atuar como ativo de rede quando combinada a baterias. Entretanto, a ausência de um marco regulatório para o armazenamento e para a atuação da GD como recurso de rede é vista como um entrave.
Críticas também foram feitas à figura do autoprodutor por equiparação, que permite a consumidores tornarem-se sócios de geradores independentes. Para parte dos participantes, isso distorce o conceito original de autoprodução e transfere encargos aos demais consumidores.
Outro desafio mencionado é a diferença de preços entre regiões, como Nordeste e Sul/Sudeste, agravada pela falta de linhas de transmissão. Essa disparidade prejudica a previsibilidade e a competitividade do mercado, e sua solução depende de investimentos estruturais de longo prazo.
Com a abertura do mercado, cresce a preocupação com as garantias financeiras das comercializadoras. A ausência de limites claros para índices de alavancagem e requisitos de segurança pode gerar riscos de desabastecimento ou encarecimento das tarifas para os consumidores.
Contudo, as falas refletem diferentes perspectivas. O MME defende que a reforma é abrangente e que a escolha de não incluir todos os temas em um único pacote foi estratégica para viabilizar sua aprovação. A ANEEL destaca que a implementação dependerá de decretos e portarias, vendo o processo como parte da modernização contínua do setor. A CEMIG celebra a abertura do mercado, mas reforça preocupações com o fim do “desconto no fio” (benefício na TUSD concedido a consumidores que compram energia de fontes renováveis). Já investidores alertam para a velocidade das mudanças e pedem um debate mais pragmático sobre curtailment e a regulamentação do armazenamento em larga escala.
Em suma, as MPs representam um passo importante, mas sua efetividade dependerá de negociações cuidadosas para equilibrar eficiência, competitividade, segurança jurídica e proteção ao consumidor.