Players enxergam oportunidade estratégica na recuperação de “terras degradadas”

Setor conta com apoio governamental e possui sinergia com mercado de créditos de carbono e biocombustíveis

26 de agosto de 2025Infraestrutura
Por Belén Palkovsky

A recuperação de terras degradadas tem se consolidado como uma das frentes mais promissoras para investimentos no agronegócio brasileiro. Estima-se que essas áreas, com manejo adequado e capital direcionado, possam ser transformadas em terras produtivas, com alto rendimento agrícola. Essa estratégia não só expande a fronteira agrícola sem causar o desmatamento, como também atende à crescente demanda por ativos regenerativos, capazes de gerar retorno financeiro e promover impacto ambiental positivo. 

Nesse cenário, players do setor estão se mobilizando para mapear, adquirir e transformar essas áreas. A estratégia adotada envolve o uso de tecnologias de ponta, práticas regenerativas, oportunidades de crédito de carbono e modelos híbridos de exploração produtiva e conservação.

Com o avanço de políticas públicas e instrumentos de financiamento verde, essas iniciativas contribuem para um ecossistema mais favorável a investidores institucionais que buscam escala, previsibilidade e alinhamento com critérios ambientais, sociais e de governança (ESG).

Com esse pano de fundo, o GRI Institute reuniu em São Paulo investidores que já estão envolvidos na execução ou estruturação de projetos ligados à recuperação de terras degradadas no Brasil. O objetivo foi compartilhar experiências, mapear barreiras e oportunidades, e explorar formas de escalar essa nova tese de investimento em ativos fundiários regenerativos. A discussão, moderada por Luanda Backheuser, sócia de imobiliário e fundiário em KLA Advogados, também abordou o potencial do setor em se beneficiar de sinergias com o mercado de carbono, bioinsumos e parcerias com produtores locais, consolidando uma nova fronteira de valor no agronegócio. 

Participaram Ary Tranquilini (S&P Global Ratings), Leonardo Ceron (YvY Capital) e Mário Lewandowski (AGBI), entre outros executivos. Confira a seguir alguns destaques: 

Estima-se que, no Brasil, entre 27 e 28 milhões de hectares de terras degradadas tenham potencial para recuperação. No entanto, nem todas essas áreas são viáveis para reabilitação, uma vez que fatores como infraestrutura, topografia e tipo de solo podem limitar o sucesso dos projetos. No caso das pastagens degradadas, por exemplo, os custos de recuperação são relativamente baixos, e o potencial de rendimento a longo prazo é significativo, especialmente quando acompanhados de inovações em manejo de solo.

Nos últimos anos, o governo brasileiro fixou a meta de recuperar mais de 40 milhões de hectares de terras degradadas na próxima década, em um projeto que exigirá investimentos de R$140 bilhões. Esse objetivo sugere que, além das terras degradadas identificadas, o governo pode buscar a reabilitação de áreas que, embora não estejam classificadas como degradadas atualmente, podem ser restauradas para um uso agrícola sustentável.

O agronegócio brasileiro tem se consolidado como um pilar fundamental para mitigar os impactos das mudanças climáticas. A capacidade do setor de equilibrar produtividade e sustentabilidade é vista como crucial para o futuro econômico do país, mas as políticas públicas precisam incentivar esse protagonismo.

Nesse contexto, o governo lançou o EcoInvest, um programa voltado para o fomento de investimentos sustentáveis no país, com o objetivo de financiar projetos nos setores de transição energética, bioeconomia, economia circular e infraestrutura verde. O programa oferece linhas de crédito com juros baixos, com o Tesouro Nacional disponibilizando recursos a uma taxa de 1% ao ano, o que torna os projetos mais acessíveis e atraentes para investidores privados. Além disso, o EcoInvest busca atrair investimentos internacionais ao oferecer instrumentos de proteção contra a volatilidade cambial, como derivativos cambiais.

O programa também foca na recuperação de terras degradadas, visando restaurar 1 milhão de hectares em biomas como Mata Atlântica, Cerrado, Caatinga, Pampa e Pantanal, incentivando práticas agrícolas sustentáveis e promovendo ganhos de produtividade, aumento da cobertura vegetal e melhor capacidade hídrica.

Mas esses avanços, embora importantes, não são suficientes para guiar o país na velocidade necessária.

Segundo os executivos, o valor das terras agrícolas no Brasil tem se valorizado consideravelmente nas últimas três décadas. Nos biomas do Cerrado e da Amazônia, essa valorização foi de 30 e 20 vezes, respectivamente, em dólares. As terras degradadas, que há 24 anos custavam cerca de 30 dólares, hoje podem valer até 800 dólares, o que reflete a forte valorização do mercado. Esse aumento de valor acompanha o crescimento da demanda por grãos, que cresce de 1,5% a 2,5% ao ano, enquanto o ganho de produtividade é de apenas 0,9%, o que gera um gap que tem sido preenchido pelo aumento da área plantada.

O Brasil, como grande exportador de produtos agrícolas, tem um setor agropecuário que se mantém relativamente desconectado da economia interna, com desafios decorrentes da desvalorização do real e da elevada taxa de juros, que dificultam os investimentos. No entanto, o consumo de biocombustíveis e a necessidade crescente de energia no país podem atuar como amortecedores para o setor, protegendo-o das flutuações da demanda externa, especialmente da China.

O consumo de biocombustíveis no Brasil, que atualmente é de 12%, está abaixo da média mundial de 15% a 20%. O governo, ao não aumentar em demasia a obrigatoriedade do uso, busca evitar impactos negativos no preço da soja e na exportação do produto. No entanto, o país tem uma "alavanca estratégica" para aumentar esse percentual, reduzindo sua dependência do petróleo externo. O etanol de milho também entra como uma nova opção energética que pode fortalecer ainda mais esse movimento.

Por fim, o mercado de madeira e biomassa tem mostrado uma crescente. Caldeiras que antes utilizavam gás ou óleo estão migrando para o uso de eucalipto, e o carvão mineral está sendo substituído por carvão vegetal. Essa transição pode resultar em uma produção de energia mais barata no futuro, caso haja excesso de produção. 

A sustentabilidade tem se tornado cada vez mais central para o agronegócio, especialmente devido a pressões internacionais. O mercado de carbono se destaca como uma oportunidade de gerar receita adicional, e o Brasil, com sua vasta área de terras e potencial de reflorestamento, é visto como um líder em potencial neste mercado, comparado inclusive com a Arábia Saudita em relação ao petróleo.

Mas a falta de uma regulamentação clara e de mecanismos de monitoramento eficientes ainda dificulta o pleno aproveitamento dessa oportunidade. Estima-se que o preço dos créditos de carbono para projetos de reflorestamento possa chegar a US$100 por tonelada, mas a precificação desse ativo continua sendo um grande desafio. Espera-se que a COP30 ajude a regulamentar esse mercado, o que poderia trazer maior clareza para os investidores.

Ao mesmo tempo, a questão fundiária continua um obstáculo importante para o desenvolvimento pleno do setor agrícola. A sobreposição de áreas e a falta de lastro nas propriedades dificultam a atração de investimentos, especialmente os estrangeiros. A legislação que restringe a compra de terras por investidores estrangeiros, juntamente com a complexidade regulatória, limitam o fluxo de capital para o país.

A crescente demanda por práticas agrícolas sustentáveis pode acelerar a valorização das terras no Brasil, oferecendo uma oportunidade de crescimento para aqueles que adotarem práticas responsáveis e eficientes. 

Com o apoio de políticas públicas adequadas, os executivos concordam que o país tem o potencial de liderar um movimento global em direção à sustentabilidade no agronegócio, se fixando nos pilares da recuperação de terras, na venda de créditos de carbono e na adoção crescente de biocombustíveis.