
Diálogo Competitivo promete mudar o paradigma das concessões no Brasil
Players e autoridades reúnem-se na Câmara de Comércio França-Brasil para debater a adoção do mecanismo, já utilizado na Europa
26 de agosto de 2025Infraestrutura
Por Belén Palkovsky
No dia 15 de agosto, o GRI Institute reuniu, em parceria com a VINCI Concessions, um grupo seleto de executivos e autoridades públicas brasileiras do ramo da infraestrutura na Câmara de Comércio França-Brasil para um debate estratégico sobre um novo mecanismo que pode ser um divisor de águas na modelagem de grandes projetos de infraestrutura: o Diálogo Competitivo, conceito inspirado em diretrizes europeias bem-sucedidas e já incorporado à Nova Lei de Licitações do país.
Embora a Lei 14.133/2021 preveja sua utilização, a aplicação prática ainda depende da publicação da Instrução Normativa final - aguardada para os próximos meses - que trará as diretrizes para sua implementação.
Na prática, o Diálogo Competitivo permitirá que o Estado, diante de iniciativas com elevado grau de complexidade técnica, abra um canal estruturado de escuta com players privados antes da publicação do edital. Tal processo não apenas tende a melhorar a qualidade das soluções contratadas, como também reduz riscos de fracasso nas licitações, amplia a segurança jurídica e cria um espaço de colaboração, inovação e desenvolvimento de soluções sob medida - até então inédito no Brasil.
Assim, o conceito surge como um mecanismo estratégico para alinhar inovação, viabilidade técnica e racionalidade econômica - elementos indispensáveis para concessões mais modernas e aderentes às reais demandas da sociedade e dos operadores privados.
Yves Besse, conselheiro da Câmara de Comércio França-Brasil, conduziu a discussão, da qual extraiu a seguinte conclusão:
"Não tenho dúvidas de que a introdução do Diálogo Competitivo trará grandes benefícios para o Brasil. Melhores projetos, melhor discutidos antes mesmo de serem lançados à licitação, e melhorias de uma maneira geral para o país. Fica evidente, após esse debate, que precisamos estimular ainda mais o diálogo entre os setores público e privado. Somente assim poderemos construir soluções melhores para o Brasil".
Na França, o Diálogo Competitivo tornou-se prática consolidada desde a diretiva europeia de 2014. Os processos costumam durar de 9 a 12 meses, com seleção prévia de no máximo cinco candidatos qualificados, e os perdedores da licitação são compensados pelos custos incorridos. O modelo é visto como eficiente para projetos complexos, mas envolve desafios como a gestão da propriedade intelectual das propostas.
Na Espanha, um caso emblemático ocorreu no Porto de Barcelona, com a iniciativa Ecoenergy, um diferencial sustentável que as autoridades da cidade exigiam para o projeto. Nesse contexto, o parceiro privado propôs utilizar o frio excedente da regaseificação de gás natural liquefeito para alimentar a rede de aquecimento urbano, economizando energia equivalente ao consumo anual de 100 mil habitantes e evitando 32 mil toneladas de CO₂. Segundo a empresa, tal inovação só foi possível porque o processo competitivo abriu espaço para soluções fora do padrão tradicional.
Na Itália, a experiência com o sistema de sinalização ferroviária ETCS - Sistema Europeu de Controle Ferroviário (European Train Control System) -, um subsistema integrante do ERTMS que visa padronizar e modernizar o tráfego ferroviário na União Europeia, mostrou que o diálogo de quase dois anos permitiu amadurecer soluções tecnológicas robustas e garantir contratos mais sustentáveis.
Já na Dinamarca, a aquisição de 200 trens de alta velocidade double-decker acompanhada de um contrato de manutenção por 30 anos foi conduzida a partir de um processo de diálogo competitivo que durou cerca de dois anos. O poder concedente reuniu players globais de peso, como Alstom, Caruff e Siemens, para uma série de discussões técnicas que permitiram amadurecer soluções e alinhar expectativas de operação de longo prazo.
No desfecho, a Siemens foi a escolhida, e o retorno das autoridades locais foi de que a decisão foi tomada com maior segurança e confiança justamente porque o processo de diálogo havia dado às partes a clareza necessária sobre a viabilidade técnica e a robustez da solução. Esse caso é frequentemente citado como exemplo de como o diálogo competitivo pode reduzir riscos e assegurar escolhas mais consistentes em projetos de grande complexidade.
"A evolução das disposições normativas sobre esse tema tem gerado um ambiente de maior confiança, e a gente já tem conseguido implementar soluções que vão colocar o Brasil na vanguarda, valendo-se de experiências internacionais bem-sucedidas. Temos muitos bons exemplos do diálogo competitivo na prática, especialmente na Europa, de como esse mecanismo pode tornar a contratação pública mais eficiente e adequada", afirma Gustavo Albuquerque, consultor do Pinheiro Neto Advogados.
No país, contudo, a prática ainda enfrenta barreiras culturais, jurídicas e institucionais. Apesar do avanço representado pela criação do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) em 2016, que institucionalizou práticas como roadshows e consultas públicas, tornando a interlocução com o mercado mais organizada e previsível, persistem desafios relevantes. Ainda são frequentes os leilões esvaziados ou com apenas um participante, a definição de prazos inexequíveis e a ocorrência de projetos paralisados pela incapacidade técnica ou financeira do vencedor.
Raquel França Carneiro, diretora da ARTESP, destaca o caso do Túnel Santos-Guarujá, em São Paulo, que ilustra os dilemas locais. Embora o projeto reunisse todas as condições para um diálogo competitivo, optou-se por uma concessão tradicional devido ao receio de subjetividade e judicialização. Ainda assim, o edital trouxe avanços inéditos, como a exigência de qualificação técnica detalhada - experiência em métodos de engenharia específicos e exigência de subcontratados certificados - e um relatório geológico que definiu responsabilidades de risco entre Estado e parceiros privados, todos considerados inovações importantes e replicáveis.
Outro exemplo citado foi a COP30, em Belém, em que o governo federal estruturou um modelo emergencial de hospedagem em navios-cruzeiro para mais de 6 mil leitos. O projeto só avançou porque se estabeleceu um processo de diálogo com armadores internacionais, ajustando a matriz de riscos de forma colaborativa.
Contudo, os especialistas destacam que o principal obstáculo é a insegurança do gestor público. No Brasil, membros de comissões de licitação podem ser responsabilizados pessoalmente por decisões técnicas durante toda a duração da concessão, o que leva à preferência por critérios objetivos, como o “menor preço”.
A multiplicidade de órgãos de controle no Brasil - como TCU, TCEs, Ministérios Públicos estaduais e federal e a AGU - gera um ambiente de sobreposição e até de conflito de interpretações sobre um mesmo processo. Isso aumenta a percepção de risco por parte dos gestores públicos, que passam a temer questionamentos e responsabilizações pessoais a qualquer momento. Como consequência, prevalece uma postura conservadora, em que muitas vezes se evita inovar ou adotar modelos mais modernos, mesmo quando eles poderiam trazer ganhos de eficiência.
"O Brasil ainda tem uma particularidade muito forte, que é a dependência do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) no financiamento da infraestrutura e na estruturação dos projetos. Uma das mensagens do debate de hoje é que, se o diálogo competitivo for realidade no Brasil, com players sérios e comprovados, facilitará a captação de financiamento, especialmente em um momento em que o banco já está questionando a seriedade de alguns vencedores de certames. Precisamos continuar com esse excelente trabalho que vem sendo feito pelos órgãos públicos - o BNDES em particular -, mas sem abrir mão de outros financiadores, para que essa jornada possa seguir adiante", pontua Sylvain Magne, Diretor-Geral de M&A do BNP Paribas.
Além disso, a forma como o diálogo competitivo foi incorporado à legislação vigente tem limitações: o dispositivo só pode ser aplicado em casos de inovação tecnológica ou quando não existirem modelos de referência disponíveis no mercado, o que restringe bastante seu alcance prático em projetos de infraestrutura. Ainda, o procedimento previsto exige que, após a fase de diálogo, seja realizada uma nova licitação, expondo os participantes ao risco de verem seu know-how aproveitado pelo edital sem garantia de contratação posterior. Esse desenho gera insegurança e desestimula a participação de players estratégicos. Para alguns especialistas, a modalidade, da forma como está, acaba sendo menos útil do que outros instrumentos existentes - como a encomenda tecnológica, que permite contratação direta em contextos semelhantes.
"Os projetos ferroviários são iniciativas de alta complexidade técnica, jurídica e financeira. Mecanismos como o diálogo competitivo permitem detalhar os riscos de cada projeto em específico e garantir que a fase de licitação chegue a um edital capaz de assegurar que o poder concedente não compre 'gato por lebre', mas, sim, que consiga realmente atender à população. Um bom edital, com uma matriz de risco bem estruturada, atrai players internacionais mais qualificados e estimula propostas consistentes, além de evitar renegociações", observa Eric Farcette, Diretor Comercial da Alstom.
Outro entrave apontado na discussão é a chamada cultura recursal do país. Enquanto em países como a França há prazos fixos para apresentação de impugnações - e, uma vez encerrado esse período, a decisão torna-se definitiva -, no Brasil os processos podem ser contestados indefinidamente em diferentes instâncias. Esse ambiente cria um estado constante de insegurança jurídica, em que nunca há garantia de estabilidade para o contrato ou para a execução da obra. O resultado é um aumento de custos e prazos, já que investidores e operadores precisam precificar o risco de atrasos e disputas prolongadas. Para players internacionais acostumados a ambientes regulatórios mais previsíveis, esse fator torna o mercado brasileiro menos atrativo.
Apesar das barreiras, o Brasil tem avançado na direção correta, e já se podem observar indícios de um “modelo abrasileirado” de diálogo competitivo. Consultas públicas, PMIs e roadshows já incorporam elementos desse instrumento, mesmo sem regulamentação formal.
Nesse sentido, para que o mecanismo atinja seu máximo potencial, os participantes apontam algumas prioridades:
- Fortalecer assessorias externas independentes (jurídicas, técnicas, de compliance) para dar respaldo às decisões;
- Desenvolver mecanismos multicritério que reduzam a subjetividade sem eliminar a avaliação qualitativa;
- Ampliar a proteção institucional ao gestor público, garantindo segurança para decisões estratégicas;
- São Paulo, com sua secretaria dedicada a Parcerias de Investimentos, liderar a adoção prática no Brasil.
"A partir da conversa que tivemos aqui, fica evidente a necessidade de evolução do diálogo competitivo entre os diferentes setores da infraestrutura, de modo a atrair players mais qualificados para as licitações e aportar inovação aos projetos. Nesse sentido, o GRI Institute, após 10 anos de presença no Brasil, segue atuando como uma ponte confiável para promover transparência, eficiência e sustentabilidade", finaliza Moisés Cona, sócio e head de Infraestrutura do GRI Institute.
No dia 15 de agosto, o GRI Institute reuniu, em parceria com a VINCI Concessions, um grupo seleto de executivos e autoridades públicas brasileiras do ramo da infraestrutura na Câmara de Comércio França-Brasil para um debate estratégico sobre um novo mecanismo que pode ser um divisor de águas na modelagem de grandes projetos de infraestrutura: o Diálogo Competitivo, conceito inspirado em diretrizes europeias bem-sucedidas e já incorporado à Nova Lei de Licitações do país.
Embora a Lei 14.133/2021 preveja sua utilização, a aplicação prática ainda depende da publicação da Instrução Normativa final - aguardada para os próximos meses - que trará as diretrizes para sua implementação.
Na prática, o Diálogo Competitivo permitirá que o Estado, diante de iniciativas com elevado grau de complexidade técnica, abra um canal estruturado de escuta com players privados antes da publicação do edital. Tal processo não apenas tende a melhorar a qualidade das soluções contratadas, como também reduz riscos de fracasso nas licitações, amplia a segurança jurídica e cria um espaço de colaboração, inovação e desenvolvimento de soluções sob medida - até então inédito no Brasil.
Assim, o conceito surge como um mecanismo estratégico para alinhar inovação, viabilidade técnica e racionalidade econômica - elementos indispensáveis para concessões mais modernas e aderentes às reais demandas da sociedade e dos operadores privados.
Yves Besse, conselheiro da Câmara de Comércio França-Brasil, conduziu a discussão, da qual extraiu a seguinte conclusão:
"Não tenho dúvidas de que a introdução do Diálogo Competitivo trará grandes benefícios para o Brasil. Melhores projetos, melhor discutidos antes mesmo de serem lançados à licitação, e melhorias de uma maneira geral para o país. Fica evidente, após esse debate, que precisamos estimular ainda mais o diálogo entre os setores público e privado. Somente assim poderemos construir soluções melhores para o Brasil".
Na França, o Diálogo Competitivo tornou-se prática consolidada desde a diretiva europeia de 2014. Os processos costumam durar de 9 a 12 meses, com seleção prévia de no máximo cinco candidatos qualificados, e os perdedores da licitação são compensados pelos custos incorridos. O modelo é visto como eficiente para projetos complexos, mas envolve desafios como a gestão da propriedade intelectual das propostas.
Na Espanha, um caso emblemático ocorreu no Porto de Barcelona, com a iniciativa Ecoenergy, um diferencial sustentável que as autoridades da cidade exigiam para o projeto. Nesse contexto, o parceiro privado propôs utilizar o frio excedente da regaseificação de gás natural liquefeito para alimentar a rede de aquecimento urbano, economizando energia equivalente ao consumo anual de 100 mil habitantes e evitando 32 mil toneladas de CO₂. Segundo a empresa, tal inovação só foi possível porque o processo competitivo abriu espaço para soluções fora do padrão tradicional.
Na Itália, a experiência com o sistema de sinalização ferroviária ETCS - Sistema Europeu de Controle Ferroviário (European Train Control System) -, um subsistema integrante do ERTMS que visa padronizar e modernizar o tráfego ferroviário na União Europeia, mostrou que o diálogo de quase dois anos permitiu amadurecer soluções tecnológicas robustas e garantir contratos mais sustentáveis.
Já na Dinamarca, a aquisição de 200 trens de alta velocidade double-decker acompanhada de um contrato de manutenção por 30 anos foi conduzida a partir de um processo de diálogo competitivo que durou cerca de dois anos. O poder concedente reuniu players globais de peso, como Alstom, Caruff e Siemens, para uma série de discussões técnicas que permitiram amadurecer soluções e alinhar expectativas de operação de longo prazo.
No desfecho, a Siemens foi a escolhida, e o retorno das autoridades locais foi de que a decisão foi tomada com maior segurança e confiança justamente porque o processo de diálogo havia dado às partes a clareza necessária sobre a viabilidade técnica e a robustez da solução. Esse caso é frequentemente citado como exemplo de como o diálogo competitivo pode reduzir riscos e assegurar escolhas mais consistentes em projetos de grande complexidade.
"A evolução das disposições normativas sobre esse tema tem gerado um ambiente de maior confiança, e a gente já tem conseguido implementar soluções que vão colocar o Brasil na vanguarda, valendo-se de experiências internacionais bem-sucedidas. Temos muitos bons exemplos do diálogo competitivo na prática, especialmente na Europa, de como esse mecanismo pode tornar a contratação pública mais eficiente e adequada", afirma Gustavo Albuquerque, consultor do Pinheiro Neto Advogados.
No país, contudo, a prática ainda enfrenta barreiras culturais, jurídicas e institucionais. Apesar do avanço representado pela criação do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) em 2016, que institucionalizou práticas como roadshows e consultas públicas, tornando a interlocução com o mercado mais organizada e previsível, persistem desafios relevantes. Ainda são frequentes os leilões esvaziados ou com apenas um participante, a definição de prazos inexequíveis e a ocorrência de projetos paralisados pela incapacidade técnica ou financeira do vencedor.
Raquel França Carneiro, diretora da ARTESP, destaca o caso do Túnel Santos-Guarujá, em São Paulo, que ilustra os dilemas locais. Embora o projeto reunisse todas as condições para um diálogo competitivo, optou-se por uma concessão tradicional devido ao receio de subjetividade e judicialização. Ainda assim, o edital trouxe avanços inéditos, como a exigência de qualificação técnica detalhada - experiência em métodos de engenharia específicos e exigência de subcontratados certificados - e um relatório geológico que definiu responsabilidades de risco entre Estado e parceiros privados, todos considerados inovações importantes e replicáveis.
Outro exemplo citado foi a COP30, em Belém, em que o governo federal estruturou um modelo emergencial de hospedagem em navios-cruzeiro para mais de 6 mil leitos. O projeto só avançou porque se estabeleceu um processo de diálogo com armadores internacionais, ajustando a matriz de riscos de forma colaborativa.
Contudo, os especialistas destacam que o principal obstáculo é a insegurança do gestor público. No Brasil, membros de comissões de licitação podem ser responsabilizados pessoalmente por decisões técnicas durante toda a duração da concessão, o que leva à preferência por critérios objetivos, como o “menor preço”.
A multiplicidade de órgãos de controle no Brasil - como TCU, TCEs, Ministérios Públicos estaduais e federal e a AGU - gera um ambiente de sobreposição e até de conflito de interpretações sobre um mesmo processo. Isso aumenta a percepção de risco por parte dos gestores públicos, que passam a temer questionamentos e responsabilizações pessoais a qualquer momento. Como consequência, prevalece uma postura conservadora, em que muitas vezes se evita inovar ou adotar modelos mais modernos, mesmo quando eles poderiam trazer ganhos de eficiência.
"O Brasil ainda tem uma particularidade muito forte, que é a dependência do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) no financiamento da infraestrutura e na estruturação dos projetos. Uma das mensagens do debate de hoje é que, se o diálogo competitivo for realidade no Brasil, com players sérios e comprovados, facilitará a captação de financiamento, especialmente em um momento em que o banco já está questionando a seriedade de alguns vencedores de certames. Precisamos continuar com esse excelente trabalho que vem sendo feito pelos órgãos públicos - o BNDES em particular -, mas sem abrir mão de outros financiadores, para que essa jornada possa seguir adiante", pontua Sylvain Magne, Diretor-Geral de M&A do BNP Paribas.
Além disso, a forma como o diálogo competitivo foi incorporado à legislação vigente tem limitações: o dispositivo só pode ser aplicado em casos de inovação tecnológica ou quando não existirem modelos de referência disponíveis no mercado, o que restringe bastante seu alcance prático em projetos de infraestrutura. Ainda, o procedimento previsto exige que, após a fase de diálogo, seja realizada uma nova licitação, expondo os participantes ao risco de verem seu know-how aproveitado pelo edital sem garantia de contratação posterior. Esse desenho gera insegurança e desestimula a participação de players estratégicos. Para alguns especialistas, a modalidade, da forma como está, acaba sendo menos útil do que outros instrumentos existentes - como a encomenda tecnológica, que permite contratação direta em contextos semelhantes.
"Os projetos ferroviários são iniciativas de alta complexidade técnica, jurídica e financeira. Mecanismos como o diálogo competitivo permitem detalhar os riscos de cada projeto em específico e garantir que a fase de licitação chegue a um edital capaz de assegurar que o poder concedente não compre 'gato por lebre', mas, sim, que consiga realmente atender à população. Um bom edital, com uma matriz de risco bem estruturada, atrai players internacionais mais qualificados e estimula propostas consistentes, além de evitar renegociações", observa Eric Farcette, Diretor Comercial da Alstom.
Outro entrave apontado na discussão é a chamada cultura recursal do país. Enquanto em países como a França há prazos fixos para apresentação de impugnações - e, uma vez encerrado esse período, a decisão torna-se definitiva -, no Brasil os processos podem ser contestados indefinidamente em diferentes instâncias. Esse ambiente cria um estado constante de insegurança jurídica, em que nunca há garantia de estabilidade para o contrato ou para a execução da obra. O resultado é um aumento de custos e prazos, já que investidores e operadores precisam precificar o risco de atrasos e disputas prolongadas. Para players internacionais acostumados a ambientes regulatórios mais previsíveis, esse fator torna o mercado brasileiro menos atrativo.
Apesar das barreiras, o Brasil tem avançado na direção correta, e já se podem observar indícios de um “modelo abrasileirado” de diálogo competitivo. Consultas públicas, PMIs e roadshows já incorporam elementos desse instrumento, mesmo sem regulamentação formal.
Nesse sentido, para que o mecanismo atinja seu máximo potencial, os participantes apontam algumas prioridades:
- Fortalecer assessorias externas independentes (jurídicas, técnicas, de compliance) para dar respaldo às decisões;
- Desenvolver mecanismos multicritério que reduzam a subjetividade sem eliminar a avaliação qualitativa;
- Ampliar a proteção institucional ao gestor público, garantindo segurança para decisões estratégicas;
- São Paulo, com sua secretaria dedicada a Parcerias de Investimentos, liderar a adoção prática no Brasil.
"A partir da conversa que tivemos aqui, fica evidente a necessidade de evolução do diálogo competitivo entre os diferentes setores da infraestrutura, de modo a atrair players mais qualificados para as licitações e aportar inovação aos projetos. Nesse sentido, o GRI Institute, após 10 anos de presença no Brasil, segue atuando como uma ponte confiável para promover transparência, eficiência e sustentabilidade", finaliza Moisés Cona, sócio e head de Infraestrutura do GRI Institute.