André Isper debate implicações do novo ciclo da ARTESP com setor privado

A reestruturação visa aprimorar a gestão, aumentar a eficiência e atrair investimentos para projetos estratégicos em São Paulo

17 de junho de 2025Infraestrutura
Por Belén Palkovsky

Sob a liderança de seu presidente, André Isper, a Agência de Transportes de São Paulo (ARTESP) inicia uma reestruturação profunda em sua abordagem regulatória e administrativa. O objetivo é melhorar a gestão do setor de transportes no estado, aumentar a eficiência das operações da agência e adaptar a regulamentação às novas exigências do mercado e da sociedade. As mudanças buscam não apenas aprimorar o setor de concessões rodoviárias, mas também fortalecer a infraestrutura de transporte de maneira geral.

O foco principal dessa reestruturação está na revisão dos mecanismos de fiscalização e regulação das concessionárias, além de promover maior transparência nas atividades da ARTESP. Com isso, a agência pretende criar um ambiente mais estável e previsível, o que favorece o desenvolvimento de projetos e atrai investimentos para o setor. O reposicionamento da ARTESP inclui também ajustes regulatórios, a busca por um reequilíbrio contratual mais eficiente, o uso de novas tecnologias e a implementação de critérios de desempenho que colocam a segurança viária como prioridade.

Nesse contexto, Isper reuniu-se com membros do GRI Institute, como Marco Aurélio Barcelos, diretor-presidente da ABCR, para debater as transformações em curso, além de contribuir para a maior publicidade dos atos da agência que afetam diretamente as concessionárias e os usuários, promovendo um debate mais amplo sobre os desafios e as oportunidades no setor.

Três projetos em destaque marcam a nova abordagem da agência. O primeiro é a Rodovia dos Tamoios, onde discute-se a ampliação da capacidade com novas faixas. O foco está na redistribuição de riscos e em soluções técnicas que evitem a sobrecarga financeira do usuário final. 

Outro exemplo é o Lote Litoral Paulista, que apresenta complexidades específicas: atravessa áreas ambientalmente sensíveis e regiões densamente povoadas. O modelo de concessão precisa incorporar parâmetros robustos de impacto socioambiental e soluções de engenharia que mitiguem conflitos urbanos. 

O terceiro projeto é a nova concessão da Malha Oeste, com trechos de menor atratividade econômica. A proposta discute subsídios cruzados dentro da malha e mecanismos de cobertura de risco para viabilizar os investimentos. O desafio está em compatibilizar a viabilidade técnica com uma modelagem financeira que seja segura para os investidores e justa para o poder concedente.

Além dos aspectos técnicos, a ARTESP demonstra preocupação com o alinhamento entre o ciclo de concessões e os ciclos políticos estaduais. A recomendação é que os leilões não coincidam com o fim de mandatos, o que permite maior previsibilidade, segurança jurídica e continuidade dos projetos, mesmo em cenários de transição de governo.

Outro tema central é a necessidade de revisar o marco regulatório vigente, especialmente a Lei nº 8.987/1995 (Lei das Concessões). Especialistas apontam que o texto atual impõe entraves a processos de reequilíbrio contratual, principalmente em situações de choques imprevisíveis, como pandemias ou eventos climáticos extremos. Embora a lei ainda não tenha sido totalmente alterada, o Projeto de Lei nº 42/2022, em tramitação no Senado, propõe mudanças significativas nesse sentido, incluindo a criação de cláusulas de reequilíbrio automático para situações emergenciais, como variações excepcionais do IPCA ou quedas abruptas de demanda, que acionariam revisões sem a necessidade de negociações demoradas ou disputas judiciais.

Além disso, a Lei nº 14.133/2021, que estabelece um novo regime de licitações e contratos administrativos, já trouxe alterações que impactam a Lei das Concessões, principalmente no que diz respeito à gestão de riscos e à forma de contratação. A proposta é que as futuras concessões tragam cláusulas de reequilíbrio mais ágeis e objetivas, permitindo uma adaptação mais rápida às mudanças econômicas e sociais, sem comprometer a continuidade e a eficiência das operações.

Como referência, citam-se modelos adotados em países da OCDE, nos quais a matriz de risco é tratada com maior objetividade. A adoção de seguros de demanda também entra em pauta, sobretudo para contratos com baixa previsibilidade de tráfego.

O atual sistema de reequilíbrio contratual é apontado como moroso, imprevisível e excessivamente judicializado. Um dos casos citados durante os debates envolve uma concessionária que precisou aguardar seis anos de litígio judicial para obter autorização de reequilíbrio financeiro, comprometendo a execução de duplicações e obras de segurança.

Como resposta a esse problema estrutural, participantes propõem a criação de uma Câmara Arbitral Permanente vinculada à ARTESP, com capacidade de mediar conflitos contratuais com agilidade e legitimidade institucional. O objetivo é reduzir a dependência do Judiciário e criar um ambiente mais racional para resolução de impasses técnicos ou financeiros. Além disso, há sugestões para institucionalizar revisões periódicas de desempenho contratual, com gatilhos automáticos baseados em metas operacionais e indicadores financeiros. Isso proporcionaria maior previsibilidade ao investidor e garantiria que desequilíbrios sejam tratados com tempestividade.

A nova geração de contratos deverá trazer metas explícitas de desempenho em segurança viária, transformando a prevenção de acidentes em critério de avaliação contratual. O modelo considera bonificações ou penalidades financeiras conforme os resultados obtidos em cada trecho concedido. Tecnologias como sensores de tráfego com inteligência artificial, pesagem em movimento (Weigh-in-Motion) e monitoramento operacional em tempo real estão entre as ferramentas que deverão compor o arsenal das concessionárias. Essas soluções permitem identificar riscos com antecedência e responder de forma mais eficaz a incidentes.

As futuras concessões devem incorporar indicadores como:
  • Taxa de acidentes com vítimas por 100 mil veículos;
  • Tempo médio de resposta a emergências;
  • Índice de rodovias com sinalização adequada e pavimentação em condições ideais.
A ARTESP reforça que essas metas serão contratualmente vinculantes, e não apenas boas práticas desejáveis.

Outro ponto recorrente nas discussões é a falta de integração entre os modais rodoviário, ferroviário e hidroviário. A ausência de articulação entre os planos estaduais e federais, como o Ferroanel e o acesso ao Porto de Santos, compromete o desempenho logístico da infraestrutura existente. Especialistas defendem que a modelagem das concessões considere desde o início as conexões intermodais, em especial em regiões de grande escoamento como Campinas, Vale do Paraíba e Baixada Santista. A falta dessa visão integrada resulta em sobrecarga do modal rodoviário e gargalos de escoamento em períodos sazonais.

A expectativa é que, com as mudanças propostas, o novo ciclo de concessões em São Paulo possa mobilizar até R$40 bilhões em investimentos nos próximos cinco anos. As obras previstas devem gerar aproximadamente 200 mil empregos diretos e indiretos, com impacto positivo sobre a cadeia de transporte, construção e tecnologia.

A atratividade para investidores dependerá da clareza contratual, da alocação adequada de riscos e da confiança na capacidade regulatória da ARTESP. Fundos de infraestrutura e operadores internacionais já demonstram interesse crescente no mercado paulista, mas aguardam avanços concretos nas reformas institucionais para ampliar sua exposição.

A nova gestão da ARTESP tem buscado ampliar o diálogo com o setor privado e incorporar mecanismos de governança mais participativa. Entre as propostas em discussão, estão:
  • Criação de comitês técnicos consultivos com representantes do mercado, academia e órgãos de controle;
  • Publicação de um plano plurianual de concessões, com cronogramas claros e previsibilidade nos editais;
  • Maior autonomia técnica da agência.
Outro avanço seria a divulgação prévia das matrizes de risco nos editais, permitindo que os licitantes tenham maior clareza sobre as obrigações e os limites de sua responsabilidade. Isso tende a melhorar a qualidade das propostas e reduzir conflitos ao longo da execução dos contratos.