Resiliência climática em concessões: adaptando contratos para o futuro

GRI Institute reúne ANTT e players privados para debater gargalos, propostas e avanços no tema

1 de julio de 2025Infraestructura
Por Henrique Cisman

As recentes discussões sobre resiliência climática em concessões de infraestrutura no Brasil demonstram uma crescente preocupação com a sustentabilidade e a longevidade dos contratos. Eventos como o desastre natural no Rio Grande do Sul, em 2024, evidenciam a necessidade de adaptar os mecanismos de gestão de riscos, especialmente em contratos de longo prazo.

Considerando a importância do tema, o GRI Institute reuniu investidores, financiadores e operadores de concessões para um debate com a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), representada pelo superintendente de Concessão da Infraestrutura, Marcelo Fonseca. O encontro foi realizado na sede da Marsh, com moderação do diretor de Construção e Infraestrutura, André Dabus, além das participações especiais de Giane Zimmer (Arteris) e Rodrigo Marvão (Opportunity). 

Leia a seguir alguns destaques do encontro. 

A ANTT tem revisado sua estrutura organizacional, incluindo a criação de uma superintendência dedicada à sustentabilidade. A agência busca modernizar os contratos de concessão para garantir que as futuras gerações de projetos - bem como os contratos existentes - possam enfrentar os desafios impostos por fenômenos climáticos.

Um dos pontos centrais abordados é a diferenciação entre riscos ordinários, extraordinários e residuais. Anteriormente, os contratos possuíam uma abordagem simplista, alocando riscos de caso fortuito e força maior de forma genérica. Atualmente, a ANTT busca um tratamento mais detalhado, com mecanismos específicos para cada tipo de risco, como bandas de demanda para tratamento ordinário e a definição de risco extraordinário com base em análises estatísticas.

Para aprimorar a resiliência das rodovias concedidas, a ANTT estuda introduzir uma verba de resiliência climática correspondente a 1% da receita bruta anual das concessões. Esses recursos seriam destinados a investimentos que elevem a capacidade de suporte das rodovias a eventos extremos, como inundações e deslizamentos, buscando antecipar intervenções que vão além das normas técnicas convencionais.

No que tange aos seguros, o debate ressalta a assimetria de informações entre o mercado segurador e os operadores de infraestrutura. A sugestão é revisar os normativos e os contratos de concessão para estabelecer uma relação subsidiária entre a utilização dos seguros e a absorção de riscos pelo poder concedente. Propõe-se que o limite de cobertura dos seguros seja claramente definido, com o poder concedente assumindo a cobertura para riscos de maior magnitude.

Além das medidas de engenharia, as chamadas medidas de adaptação "não-engenharia" são cruciais. Elas envolvem instrumentos mitigadores de riscos e mudanças nas cláusulas contratuais para melhor traduzir os fenômenos climáticos. A ideia é aprimorar os dispositivos contratuais para garantir a longevidade e a continuidade dos serviços em face de eventos que possam impactar as concessões.

A tecnologia também emerge como uma ferramenta fundamental. Um exemplo é o uso de plataformas de inteligência artificial que cruzam dados técnicos de infraestruturas com informações meteorológicas, permitindo prever com alta precisão eventos como deslizamentos de taludes com dias de antecedência. "A combinação de tecnologias avançadas com mecanismos de prevenção é essencial para uma gestão de riscos eficaz", sugere um executivo presente.

A discussão também abordou a necessidade de desenvolver fundos multissetoriais ou setoriais para os quais as concessionárias poderiam contribuir. Essa abordagem permitiria socializar prejuízos em caso de eventos extraordinários extremos que possam comprometer a sustentabilidade de uma concessão específica, garantindo maior estabilidade ao sistema.

O setor ferroviário, em particular, apresenta desafios únicos devido à sua sensibilidade a eventos climáticos extremos. A paralisação de trechos por inundações ou deslizamentos pode ter um impacto desproporcional na receita e na reputação das empresas, dada a natureza do transporte de cargas em longas distâncias. A ANTT busca alinhar as práticas das rodovias com as ferrovias, mas customizando soluções para as especificidades de cada modal.

Em suma, a busca por maior previsibilidade e clareza na alocação de riscos climáticos é um objetivo comum. "O mercado de seguros não pode ser visto como uma 'bala de prata' para eliminar todos os riscos, mas sim como um dos diversos instrumentos em uma estratégia multifacetada", afirma um especialista. 

A colaboração entre reguladores, concessionárias e o mercado segurador é vista como fundamental para construir soluções mais eficientes, garantindo a atratividade dos investimentos e a segurança da infraestrutura brasileira a longo prazo.