Reforma Tributária no Brasil: Estamos prontos para o novo jogo fiscal?

Líderes do mercado imobiliário discutem impactos e oportunidades de uma das maiores mudanças fiscais das últimas décadas

10 de setembro de 2025Mercado Imobiliário
Por Isabella Toledo

Em um momento histórico para a economia brasileira, o GRI Institute Brazil promoveu um encontro exclusivo no escritório do Patria Investimentos, em São Paulo, com o objetivo de discutir os impactos da reforma tributária no setor imobiliário.

A roundtable teve a participação especial de Bernard Appy, Secretário Extraordinário da Reforma Tributária no Ministério da Fazenda, e a moderação de Rodrigo Abbud, Sócio e Head de Real Estate do Patria no Brasil.

A nova reforma, que promete impactar profundamente o mercado imobiliário e outras áreas da economia, tem gerado expectativas e questionamentos. A medida trouxe à tona uma série de questões estratégicas, desafiando as empresas a se adaptarem a um novo cenário fiscal, ao mesmo tempo em que pode oferecer oportunidades de reposicionamento.

Impactos diretos no setor

Um dos temas centrais da discussão foi o conceito de split payment, um novo modelo de tributação que busca ampliar a transparência e combater fraudes fiscais. Na avaliação de Bernard Appy, como o segmento imobiliário opera majoritariamente no regime de caixa, a implementação desse modelo não deverá provocar mudanças significativas.

Na prática, para cada pagamento antecipado ou parcela, será emitido um documento fiscal específico, vinculado posteriormente ao documento fiscal final da venda. O sistema registra o valor do IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) e da CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços) de cada parcela e os vincula a uma chave fiscal. 

Caso parte ou todo o débito já tenha sido extinto por meio da utilização de créditos da empresa antes da liquidação, o valor retido é ajustado em tempo real ou devolvido em até três dias úteis, com o objetivo de não prejudicar o caixa do contribuinte.

As alíquotas incidentes variam conforme a operação: 50% da alíquota padrão para vendas de imóveis e 30% para aluguéis - percentuais que, segundo Appy, ficaram abaixo dos valores inicialmente calculados para manter a carga tributária e são favoráveis para o mercado imobiliário.

Ele observa ainda que, até 2033, as alíquotas de referência serão ajustadas para preservar a carga como proporção do PIB, de forma que a redução de inadimplência e fraude possa resultar em alíquotas mais baixas para contribuintes regulares.

O modelo busca atacar dois problemas estruturais: a emissão de “notas frias” e a inadimplência no pagamento de impostos. Ao vincular o crédito tributário à efetiva entrada de recursos nos cofres públicos, a medida pretende reduzir a utilização indevida de créditos e assegurar que o comprador tenha a garantia de aproveitamento fiscal.

Nos contratos de locação, a lógica do split payment se aplica de forma semelhante, com alíquota reduzida (estimada em cerca de 8,4% considerando um exemplo de alíquota padrão de 28%) e possibilidade de aproveitamento de créditos relacionados a despesas de manutenção do imóvel.

(GRI Institute)

Novo cadastro nacional de imóveis

Outro ponto relevante é a criação do Cadastro Imobiliário Brasileiro (CIB), que reunirá informações detalhadas sobre todos os imóveis do país, abrangendo valores de mercado, dados de registro e georreferenciamento.

Previsto para entrar em operação até o final de 2026, o CIB servirá como base para o cálculo do chamado redutor de ajuste, mecanismo que permitirá tributar apenas a diferença entre o valor de venda e o valor do imóvel a partir de 31 de dezembro de 2026 - ou, no caso de imóveis em construção, o valor do terreno e dos insumos já incorporados à obra.

Entre os efeitos esperados está a alteração do incentivo econômico: no caso do IPTU, é comum que se declare um valor abaixo do de mercado; já com o redutor de ajuste, torna-se mais vantajoso registrar o valor real, o que tende a alinhar interesses e minimizar disputas fiscais.

Embora não haja integração automática com o IPTU ou o ITBI, espera-se que, futuramente, os municípios adotem o CIB como referência para a cobrança de tributos locais. Além disso, a perspectiva de longo prazo é que o cadastro se integre ao Cadastro Nacional de Imóveis Rurais (CNIR) e ao Cadastro Nacional de Imóveis Urbanos (CNIU), formando uma base unificada com múltiplas camadas de informação - da localização geográfica aos dados de cartório.

Menos barreiras, maior competitividade 

O modelo de tributação proposto busca tornar o Brasil mais competitivo para investidores estrangeiros, eliminando barreiras impostas pela complexidade do sistema tributário vigente - fator que, historicamente, tem atuado como um obstáculo à entrada de capital internacional.

A reforma pretende ampliar essa competitividade por meio de medidas como a redução do custo de conformidade, a correção de distorções, a simplificação de obrigações acessórias e a unificação de tributos, além da eliminação da tributação cumulativa sobre investimentos e exportações.

Embora não haja estudos específicos para o mercado imobiliário ou para a construção civil, estimativas gerais mencionadas por Appy indicam que a desoneração de investimentos e a recuperação da competitividade da produção nacional poderiam elevar o PIB potencial em 4% a 6%. 

Combinados a outros efeitos esperados, como a reorganização de cadeias produtivas e a melhor alocação de recursos, esse ganho de produtividade poderia superar 10% no longo prazo. 

No entanto, ele reforça que esses resultados não serão imediatos. O impacto pleno só será percebido após a transição do ICMS, considerado o imposto indireto mais complexo do país, e a implementação dos novos sistemas fiscais, o que ocorrerá gradualmente nos próximos anos.
 
(GRI Institute)

Uma escolha para fundos imobiliários

O impacto da reforma também foi discutido no contexto dos fundos imobiliários, que poderão optar, uma única vez, por se tornarem contribuintes do novo sistema ou permanecerem como não contribuintes. Essa decisão é irreversível e terá efeito direto sobre a capacidade de recuperar créditos e sobre a atratividade dos imóveis para diferentes perfis de locatários.

Fundos que optarem por não ser contribuintes não poderão recuperar créditos e também não gerarão créditos para seus clientes, o que tende a reduzir a competitividade quando o público-alvo for composto por empresas no regime regular. 

Já fundos contribuintes poderão aproveitar créditos de despesas de manutenção e repassá-los a locatários, tornando a locação mais atraente para empresas que buscam compensações fiscais.

Segundo o secretário Bernardo Appy, a expectativa é que, no médio e longo prazo, a maioria dos fundos adote o novo regime, especialmente em casos de aquisição de novos imóveis ou quando os locatários forem majoritariamente pessoas jurídicas contribuintes. 

Por outro lado, fundos com portfólio formado predominantemente por imóveis já adquiridos e locados para pessoas físicas ou empresas optantes pelo Simples Nacional tendem a encontrar menos vantagens na migração. 

Em todos os casos, Appy ressalta a importância de avaliar cuidadosamente os cenários antes de tomar a decisão, considerando custos, benefícios e perfil dos contratos.

Adaptação na transição entre modelos tributários

A transição para o novo sistema tributário terá início em 2026, em um ano de testes voltado principalmente ao cumprimento de obrigações acessórias, como a emissão de documentos fiscais para contratos de locação - exigência que passará a valer gradualmente até a virada efetiva, prevista para 2027. 

No caso de incorporações e loteamentos já registrados até dezembro de 2028, será possível manter o regime atual, com as alíquotas vigentes, até a venda integral das unidades. Contratos de locação de longo prazo também poderão preservar o modelo de tributação em vigor até o fim do contrato, desde que devidamente registrados. 

Para empresas optantes pelo Simples Nacional, haverá a opção de permanecer no regime ou migrar para o novo sistema não cumulativo, decisão que poderá variar conforme o perfil dos clientes e o potencial de recuperação de créditos.