GRI InstituteRotas para as hidrovias ampliarem sua participação na infraestrutura logística nacional
GRI Institute elenca sugestões para destravar o potencial desse importante modal de transporte, em busca de mais competitividade e descarbonização
1. Sumário executivo
Para fortalecer a competitividade nacional, a busca por uma infraestrutura logística mais equilibrada e eficiente é um caminho necessário. Hoje, a matriz brasileira de transportes conta intensamente com a força das rodovias, que respondem por 62,2% da circulação de cargas. Otimizar os custos logísticos (correspondentes a 15,5% do PIB) e avançar na agenda de sustentabilidade, no entanto, requerem aumentar a participação de modais complementares, como o hidroviário e o ferroviário, especialmente em longas distâncias. Mais diversificação e integração dos modais podem proporcionar ganhos para toda a cadeia e ampliar a resiliência da logística do País.
O Global Real Estate & Infrastructure Institute, a partir do entendimento da infraestrutura logística integrada como prioridade, defende o fortalecimento do transporte hidroviário como um pilar fundamental para uma matriz mais eficiente e sustentável. O presente documento, alinhado às discussões que acontecem como parte do ecossistema do Instituto, propõe ações estratégicas para destravar o potencial das hidrovias brasileiras.
As recomendações abrangem:
• Garantir ampla transparência de custos e reconhecer as externalidades de cada modal;
• Viabilizar investimentos na infraestrutura hidroviária;
• Promover fortalecimento institucional e regulatório;
• Estudar incentivos como parte da agenda de descarbonização;
• Priorizar reservatórios de regulação;
•Analisar modelos de tarifação.
A evolução da matriz de transporte é um imperativo estratégico para o Brasil, não apenas pela competitividade, mas também pelo desenvolvimento regional e pela sustentabilidade. O GRI Institute se coloca à disposição para apoiar a articulação público-privada e o alcance desse objetivo.
2. Introdução: a matriz logística brasileira e o potencial subutilizado das hidrovias
A infraestrutura logística do Brasil, essencial para sua competitividade global, enfrenta um desafio estrutural: a expressiva concentração no modal rodoviário, ainda que os debates sobre multimodalidade venham ganhando mais espaço no pós-2000, com sucessivos planos nacionais de logística e transportes e voltados à aceleração de investimentos. Atualmente, as rodovias respondem por 62,2% do total de cargas transportadas no País, enquanto 27% circulam pelas ferrovias e apenas 4,3% passam pelas hidrovias, 3,6% por dutos, e 2,9% pela navegação de cabotagem, mostra estudo da Fundação Dom Cabral.
Essa predominância maciça do transporte rodoviário, mais caro ao se considerar a circulação de grandes cargas e longas distâncias na comparação com alternativas como o hidroviário e o ferroviário, acaba causando perda de eficiência para a movimentação de mercadorias nessas situações e, adicionalmente, acarreta externalidades negativas, como maiores emissão de CO2, poluição atmosférica e risco de acidentes.
Para contextualizar o impacto da presente configuração da matriz, o Brasil frequentemente ocupa posições abaixo de seu potencial em rankings de competitividade global. Países com economias desenvolvidas e grande volume de comércio internacional, como os Estados Unidos e diversos situados na Europa, fazem uso intensivo - e com orientação estruturante - de suas redes hidroviárias e ferroviárias, o que lhes confere uma vantagem competitiva considerável. Na Europa, por exemplo, o transporte hidroviário desempenha um papel crucial para o escoamento de produtos agrícolas e industriais, garantindo um fluxo logístico eficiente e com menor impacto ambiental. Isso só é possível a partir de investimento contínuo, estímulo de sinergias no uso da água (envolvendo transporte, energia e meio ambiente) e previsibilidade operacional, por meio de iniciativas como sistemas de eclusas integradas com a gestão de bacias.
Os custos logísticos devem consumir 15,5% do PIB brasileiro neste ano, conforme o Instituto de Logística e Supply Chain (ILOS), sendo mais de metade desse total correspondente à parte transportes. Depois de aumentos no mundo todo na época da pandemia, o ritmo de redução dessas despesas no País vem deixando a desejar. Enquanto, nos Estados Unidos, a queda na relação custo logístico/PIB foi de 1,7 ponto percentual entre 2022 e 2024, no Brasil, se restringiu a 0,4 ponto percentual. Parte importante dessa explicação 1 FDC: Cenários de carregamento da rede multimodal de transporte 2 Relação custo logístico/PIB 4 está em deficiências de infraestrutura de transportes que persistem e na falta de avanços mais substantivos na multimodalidade.
O GRI Institute, por meio de seu ecossistema de atividades, vem atuando para estimular progressos nessa área, por entender que a integração física e funcional das cadeias logísticas é essencial para o aumento da competitividade global, nacional e local e para a redução de emissões no setor de transportes. O foco é promover a multimodalidade, os corredores de exportação e o uso estratégico de parcerias público-privadas em prol de fluxos logísticos inteligentes e sustentáveis.
No recente summit GRI Amazonia Alliance 2025, por exemplo, realizado em setembro em São Paulo, a logística verde e um maior desenvolvimento das hidrovias ganharam espaço na agenda, e o tema voltou à pauta em novembro, com uma sala para diálogo sobre ‘Cabotagem e Hidrovias - Estamos preparados para integrar de fato à matriz logística?’ no Brazil GRI Inra & Energy 2025.
Este documento apresenta a visão do GRI Institute para a evolução do transporte hidroviário como pilar fundamental da matriz logística nacional rumo a um futuro mais eficiente e sustentável.
Por onde circulam as cargas no Brasil (Fonte: FDC)
62,2% Rodovias;
27% Ferrovias;
4,3% Hidrovias;
3,6% Dutovias;
2,9% Navegação de cabotagem.
3. Propostas para a evolução do modal hidroviário no Brasil
Para destravar o potencial das hidrovias no Brasil e alinhar a matriz nacional de transporte com as melhores práticas globais, o GRI Institute propõe uma série de ações estratégicas:
3.1. Garantir ampla transparência de custos e reconhecer as externalidades de cada modal
É essencial que ferramentas como o Plano Nacional de Logística (PNL), em elaboração para o horizonte até 2050, assegurem plena transparência aos custos reais (em todos os seus componentes) e às externalidades (em particular, as negativas, como emissão de CO2 e riscos de acidentes) de cada modal, de modo a que se tenha visibilidade efetiva das vantagens e desvantagens comparativas de cada um.
Quando se trata de grandes cargas e longas distâncias, a conta do transporte hidroviário costuma fazer mais sentido em termos de eficiência, e é fundamental garantir essa informação aos usuários a fim de estimular priorizações assertivas.
3.2. Viabilizar investimentos na infraestrutura hidroviária
Apesar da vasta rede de rios do Brasil, esse privilégio não é sinônimo de uma rede de hidrovias prontas. Além disso, boa parte das hidrovias não se conecta ao mar, e as que o fazem, muitas vezes, não possuem o calado necessário para a navegação de grandes embarcações. Há que se promover, portanto, maior reconhecimento da necessidade de investimentos relevantes para a efetivação de obras (principalmente de dragagem e conexão a outros modais), com possibilidade de que seja demandada a aplicação de recursos públicos, assim como privados.
É importante ressaltar que, uma vez que os diferentes complexos hidroviários possuem vocações distintas, elas devem ser compreendidas a fundo para embasar a definição dos investimentos necessários e prioritários, assim como do próprio modelo de exploração de cada um.
O financiamento de investimentos pode ser viabilizado através de diversas fontes, como o Fundo Clima (voltado a projetos que impulsionam a nova economia de baixo carbono e geram desenvolvimento econômico com sustentabilidade, financiado por meio de Títulos Soberanos Sustentáveis), o Fundo da Marinha Mercante (destinado a prover recursos para o desenvolvimento da Marinha Mercante e da indústria de construção e reparação naval brasileiras, que se estende a projetos de navegação interior e infraestrutura aquaviária) e modelos de blended finance (financiamento misto, ou seja, combinação de recursos públicos, de fomento (O European Investment Bank é exemplo nesse sentido, com envolvimento recente em iniciativas de consultoria e liberação de recursos para hidrovias com foco em redução de emissão de carbono na Lituânia e na Sérvia) ou filantrópicos e capital privado para financiar projetos com impacto social, ambiental ou de desenvolvimento econômico), priorizando, por exemplo, hidrovias com maior potencial de mitigação de emissões de carbono. Adicionalmente, parte dos recursos oriundos da desestatização de Eletrobras tem, conforme a lei 14.182/20219, previsão de aplicação em melhoria da navegabilidade dos rios Madeira e Tocantins (R$ 2,95 bilhões em dez anos), e devem ser considerados.
A realização de projetos-piloto emblemáticos de PPPs e concessões nessa área pode ajudar a demonstrar sua viabilidade e destravar outras iniciativas.
3.3. Promover fortalecimento institucional e regulatório
O uso amplo e eficiente da infraestrutura hidroviária exige uma melhor institucionalização e a definição de bases mais claras para a gestão hidrológica. A transparência sobre a alçada de cada ente e a harmonização de suas ações e políticas são cruciais.
Nesse contexto, a criação da Secretaria Nacional de Hidrovias e Navegação, em 2024, foi muito positiva. Agora, é preciso dar outros passos, com destaque para a elaboração de políticas de Estado que transcendam governos e ajudem a pensar e estimular uma participação mais consistente das hidrovias na matriz brasileira, rumo a uma composição efetivamente multimodal, viabilizando um pipeline robusto de projetos e a atração de investimentos privados. O lançamento da aguardada BR dos Rios deve, por conseguinte, ser prioridade (uma vez que visa desenvolver e incentivar o modal, principalmente para o transporte de cargas), ao lado de progressos no andamento do Plano Setorial Hidroviário e do Plano Geral de Outorgas Hidroviárias.
O fortalecimento da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) é igualmente fundamental para garantir a segurança jurídica indispensável para atrair o capital privado.
Preservar sua autonomia e seu orçamento, mantendo um corpo técnico qualificado, capaz de tomar decisões objetivas e blindar projetos de longo prazo contra instabilidades, é condição basilar para a estabilidade e a previsibilidade do ambiente de negócios e investimentos em hidrovias. Cabe também assegurar que o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) conte com recursos e capital humano compatíveis com a execução das obras necessárias às hidrovias federais públicas.
Seria também positivo analisar a viabilidade de criação de um comitê interministerial focado na expansão e na integração hidroviária, que busque alinhar políticas de transporte, meio ambiente, energia e desenvolvimento regional. É recomendável ainda estabelecer instâncias de coordenação da gestão e das obras de melhoria de hidrovias que abarcam trechos nacionais e internacionais, particularmente as do Paraguai (Argentina e Paraguai) e da Lagoa Mirim (Uruguai), a serem concedidas.
Dentro de todo esse cenário, a instituição de um Grupo de Trabalho (GT) para implementar o projeto-piloto de um corredor logístico sustentável de transporte, visando desenvolver um sandbox regulatório para estruturar e operacionalizar um corredor multimodal (que engloba o transporte aquaviário, ao lado do rodoviário e do ferroviário) com foco em sustentabilidade, é uma ótima notícia. O GT foi criado por meio da Portaria nº 232/202512 da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), que também abriu consulta pública para interessados em participar do sandbox regulatório.
3.4 Estudar incentivos como parte da agenda de descarbonização
O transporte hidroviário, com sua maior capacidade de carga por comboio e menor emissão de carbono por tonelada-quilômetro, é uma peça-chave na agenda de descarbonização. Além de proporcionar ganhos de eficiência e escala, permite uma rastreabilidade das cargas de modo mais simples, aspecto cada vez mais exigido por mercados internacionais que buscam certificação de origem para garantir a sustentabilidade de suas cadeias de suprimento.
Nesse sentido, é válido dedicar atenção a estudos sobre a criação de incentivos que apoiem uma maior adesão ao modal hidroviário e impulsionem essa agenda.
Vale lembrar também que o fomento ao modal hidroviário estimula toda a cadeia produtiva a ele relacionada, com destaque para a indústria naval e negócios locais, gerando empregos e renda, com importantes reflexos regionais.
3.5 Priorizar reservatórios de regularização
Os reservatórios de regularização têm papel relevante para se lidar com oscilações de volume de água, ainda mais considerando um cenário de intensificação dos fenômenos climáticos. Tais reservatórios emprestam flexibilidade operacional aos sistemas hídricos e devem, portanto, ser objeto de especial atenção, seja com estratégias que assegurem a adequada manutenção dos já existentes, seja com planejamento de novos projetos para reduzir os impactos e apoiar na adaptação aos desafios hídricos futuros.
Há que se considerar também soluções de contingência complementares para situações de secas extremas, tais como rotas ferroviárias alternativas e buffers de armazenagem (áreas de estoque temporárias), que devem ser estudados caso a caso, conforme cada realidade.
3.6. Analisar modelos de tarifação
No caminho de um maior desenvolvimento das hidrovias no Brasil, há que se considerar a criação de modelos de tarifação que garantam a sustentabilidade da operação e a manutenção da infraestrutura, respeitando a vocação e as particularidades de cada hidrovia. Vincular a tarifa a uma cesta de serviços (como sinalização e segurança) facilita a compreensão da necessidade desse desembolso por parte dos usuários, que se beneficiam diretamente de serviços de alta qualidade.
Diversos modelos de tarifação podem ser aplicados, conforme as características da respectiva hidrovia e os objetivos de sua gestão. São exemplos pertinentes para estudo as seguintes formas de cobrança: (1) proporcional ao peso da carga transportada, (2) de acordo com a natureza da mercadoria em curso (granel sólido, líquido, contêineres etc.), (3) relativa ao uso de infraestruturas específicas (como eclusas e outros dispositivos de transposição de nível), (4) ajustada a variáveis tais como o nível da água do rio (muito comum em hidrovias europeias, nas quais se adota taxa adicional em períodos de baixa) e (5) indireta, incidente sobre o combustível que abastece as embarcações (tal qual nos Estados Unidos, caso da hidrovia do rio Mississipi)
Conclusão
A evolução da matriz de transporte brasileira, com o fortalecimento do modal hidroviário, é um imperativo estratégico para o Brasil. Não se trata apenas de uma questão de infraestrutura, mas de competitividade, sustentabilidade e desenvolvimento regional. O GRI Institute defende a necessidade urgente de uma abordagem integrada, que combine investimentos, um marco regulatório claro e políticas de Estado que incentivem a descarbonização e a eficiência.
Ao destravar o potencial das hidrovias, o País será capaz de movimentar grandes volumes de cargas, a longas distâncias, de forma mais econômica e ambientalmente responsável, reduzindo a pegada de carbono e aumentando a competitividade dos produtos nacionais no mercado global.
Além do fortalecimento das hidrovias, é fundamental compreender que a multimodalidade representa a espinha dorsal de uma logística moderna e resiliente. A integração entre hidrovias, ferrovias, terminais portuários, rodovias e outras alternativas logísticas deve ser priorizada como estratégia nacional de crescimento e inserção competitiva no mercado global. Projetos de infraestrutura que contemplem soluções multimodais permitem reduzir custos, aumentar a eficiência no escoamento de cargas, promover sustentabilidade e garantir alternativas viáveis frente a crises ou gargalos em determinados modais.
É importante que o Brasil estimule a implementação de corredores logísticos multimodais por meio de políticas públicas, incentivos regulatórios e parcerias com a iniciativa privada. Eles permitem ampliar a competitividade, reduzir emissões, fortalecer a integração regional, estimular cadeias produtivas locais e assegurar maior previsibilidade para investidores e operadores logísticos.
A rota está dada, e o momento de agir é agora. O GRI Institute está pronto a contribuir com expertise e apoiando na articulação público-privada para o atingimento desse nobre objetivo.