O papel das construtoras na corrida pela universalização do saneamento básico

GRI Institute apresenta paper exclusivo sobre avanços e perspectivas do setor

18 de setembro de 2025Infraestrutura

Por Belén Palkovsky (GRI Institute) e SEEL Engenharia

O Novo Marco Legal do Saneamento tem sido um motor para o crescimento de investimentos, concessões e parcerias público-privadas em todo o Brasil. No entanto, o setor de construção civil, fundamental para a execução dessas grandes obras, ainda enfrenta desafios que podem dificultar o cumprimento dos prazos estabelecidos. A meta de oferecer acesso universal à água tratada e esgoto até 2033 está diretamente vinculada à capacidade das construtoras de concluir projetos de grande escala com excelência técnica, financeira e operacional.

Nesse contexto, o GRI Institute promoveu um debate em parceria com a SEEL Engenharia para abordar questões estruturais, políticas e operacionais que moldam o setor. Participaram do encontro Carlos Almiro (BRK Ambiental), Christianne Dias Ferreira (Abcon Sindcon), Gabriel Kingma (Seel Engenharia), Ricardo de Sousa Correia (Governo do Estado de Goiás), Rogério Tavares (Aegea Saneamento) e Eduardo Lapa (Seel Engenharia), que moderou a discussão, além de outros executivos com atuação no segmento.

A reunião teve como ponto de partida o novo arcabouço regulatório, que completa cinco anos, e a constatação de que a regionalização - que é o agrupamento de municípios em blocos para viabilizar economicamente a prestação dos serviços e já foi adotada por 23 dos 26 estados brasileiros - é a principal estratégia para alcançar as metas de cobertura de água e esgoto.

O estado de Goiás foi apresentado como exemplo. A estratégia consistiu em estruturar três microrregiões alinhadas a bacias hidrográficas, priorizando o esgotamento sanitário. Para isso, o governo planeja novas Parcerias Público-Privadas (PPPs) tanto para o esgotamento sanitário quanto para o sistema de água e áreas com maior vulnerabilidade hídrica. Com 246 municípios - cerca de metade com menos de 10 mil habitantes - o estado adota um modelo de regulação compartilhada: uma agência estadual define as tarifas, enquanto três agências municipais se encarregam da fiscalização em cada microrregião. O leilão das PPPs está previsto para janeiro de 2026.

No país, destaca-se o avanço de mais de 500% da participação do setor privado desde 2020, atualmente atendendo cerca de um terço dos municípios brasileiros. Contudo, a regulamentação da lei foi apontada como um ponto sensível, pois, embora existam 107 agências infranacionais, a adesão às normas da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) não é obrigatória. Isso significa que as agências reguladoras estaduais e municipais têm a liberdade de decidir se seguem ou não as normas estabelecidas pela ANA.

No entanto, a não conformidade com essas diretrizes pode resultar em consequências financeiras, já que a ANA divulgará uma lista de agências que cumprem as normas, e aquelas que não o fizerem poderão ter o repasse de recursos públicos comprometido. Esse mecanismo de penalização cria um incentivo para que as agências se alinhem às regras, fortalecendo a governança e a transparência no setor.

Por outro lado, o Judiciário, que antes estava distante das questões práticas do saneamento, tem se mostrado mais favorável ao setor em decisões recentes. Por exemplo, tribunais têm permitido a cobrança de tarifas de esgoto mesmo quando nem todas as etapas do serviço foram concluídas, além de autorizar o uso de fontes alternativas de água, como o reúso, e a cobrança de tarifas para condomínios com hidrômetro único, que antes era um ponto controverso. Essas decisões indicam que o sistema jurídico está começando a entender a complexidade do saneamento e as necessidades específicas do setor.

Paralelamente, as outorgas, - frequentemente definidas por “decisões políticas” - continuam a ser um ponto de fricção. Embora sejam vistas como um "preço" para a concessão de serviços públicos, por vezes acabam tendo os recursos que poderiam ser aplicados diretamente em infraestrutura desviados para outras finalidades, comprometendo a viabilidade de investimentos essenciais.

Alguns estados, como Goiás, adotaram modelos de Parcerias Público-Privadas (PPPs) sem a cobrança de outorga. Contudo, em muitas regiões, a pressão política por outorgas elevadas segue uma realidade, o que pode reduzir o interesse privado e dificultar o alcance das metas de universalização. A discussão sobre as outorgas também trouxe à tona a necessidade de um novo modelo de integração entre os diversos atores da cadeia de saneamento. A coordenação entre operadores, construtoras, fornecedores, reguladores e financiadores é fundamental para garantir que os projetos não apenas sejam viáveis, mas também duradouros e adequados às necessidades locais. A busca por soluções mais eficientes e adaptadas ao contexto brasileiro é crucial para que o setor avance e alcance a universalização dentro dos prazos estabelecidos.

Além disso, a conversa abordou outros entraves enfrentados pelo setor. Dentre eles, a insegurança jurídica, que afasta investimentos essenciais para o progresso das obras. As concessionárias relatam situações em que, mesmo com respaldo técnico e jurídico, não são realizados reajustes tarifários, um reflexo direto da insegurança nas relações com os órgãos reguladores e o poder concedente. Esse tipo de cenário compromete a confiança dos investidores e limita a execução de obras necessárias para a expansão da cobertura de saneamento.

Outro ponto crítico é a perda de protagonismo da engenharia nacional. Antes de 2014, o setor de concessões contava com um forte apoio de empreiteiras brasileiras, que desempenhavam um papel fundamental na estruturação dos projetos. Contudo, a partir de 2015, o setor viu uma queda no protagonismo, dificultando a busca por parceiros qualificados com capacidade de execução em todo o território brasileiro. Esse enfraquecimento da engenharia local gera dificuldades tanto para as empresas como para os próprios governos, que enfrentam desafios adicionais para garantir a qualidade e a sustentabilidade dos projetos.

A instabilidade de preços também foi identificada como um obstáculo. O aumento dos custos de insumos como PVC e concreto, afetados por crises internacionais e pela pandemia, tem dificultado as contratações e as modelagens de projetos de saneamento. A flutuação de preços, associada à alta dos juros e à inflação, gera um ambiente econômico instável, que torna mais difícil para as concessionárias firmarem compromissos de longo prazo e atrair investimentos. Esse cenário demanda uma adaptação contínua das modelagens financeiras e a busca por soluções mais resilientes.

Por fim, a escassez de mão de obra técnica qualificada também é mencionada como um desafio para a execução de projetos. O Brasil forma cerca de 50 mil engenheiros anualmente, uma quantidade muito abaixo da que países como China e Índia produzem. Essa falta de profissionais afeta a capacidade de execução das obras e o desenvolvimento de novos projetos.

Para enfrentar a complexidade desse panorama, Moisés Cona, sócio e managing director de Infraestrutura do GRI Institute, apresentou aos executivos um whitepaper exclusivo que traz um balanço das conquistas e dos aprendizados desde a implementação do novo arcabouço regulatório, além de recomendações às autoridades para apoiar o cumprimento das metas até 2033. O GRI Institute propõe ativamente soluções para auxiliar o desenvolvimento de todos os subsetores da infraestrutura brasileira.

Confira o white paper na íntegra AQUI.