Novo licenciamento ambiental melhora o cenário, mas não resolve o problema

Investidores do setor privado, especialistas e representantes de governos debateram o tema em reunião do GRI Institute

13 de agosto de 2025Infraestrutura
Por Henrique Cisman

O licenciamento ambiental no Brasil, considerado um dos principais gargalos para o avanço da infraestrutura, tem sido objeto de um intenso debate, especialmente com a proposta de uma nova lei geral para o setor, que se arrasta por mais de duas décadas. Uma mesa-redonda recente do GRI Institute, realizada no escritório do Cescon Barrieu, em São Paulo, reuniu especialistas, autoridades e executivos do setor privado para debater os desafios operacionais, a necessidade de segurança jurídica e a polêmica em torno das medidas que buscam dar celeridade a projetos estratégicos, com foco especial em infraestrutura.

A reunião contou com as participações especiais de Régis Pinto, diretor de programa do PPI (Programa de Parceria de Investimentos), Sandro Alex, secretário de Infraestrutura e Logística do Governo do Estado do Paraná, e Thomaz Miazaki, presidente da Cetesb (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo). A moderação foi realizada por Roberta de Morais, sócia do Cescon Barrieu. 

A nova lei e a busca por inovação

A proposta de uma nova lei geral para o licenciamento ambiental é vista como uma oportunidade de modernizar uma legislação que, em muitos casos, é considerada antiquada para as necessidades atuais do Brasil. A proposta traz inovações como a licença para empreendimentos estratégicos, que busca dar agilidade a projetos de interesse nacional. A ideia é concentrar as etapas do licenciamento, que hoje são faseadas (licença prévia, de instalação e de operação), em uma única etapa para projetos que a justifiquem.

No entanto, há um ceticismo de que essa abordagem funcione na prática, especialmente para projetos públicos, que historicamente apresentam estudos incompletos e demoram para aportar as informações necessárias. A visão predominante é que o maior gargalo do licenciamento ambiental não é a legislação em si, mas, sim, a questão operacional e a falta de estrutura dos órgãos competentes.

A Cetesb, por exemplo, criou uma agência de projetos especiais para atender demandas estruturantes do governo, com uma equipe dedicada a projetos de infraestrutura. A atuação dessa agência já demonstrou resultados na regularização de rodovias, ao fechar a porta para consultas informais e focar a equipe no licenciamento de fato, o que agilizou o processo.

Um dos grandes pontos polêmicos do projeto de lei do licenciamento ambiental é relacionado à Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho sobre Povos Indígenas e Tribais, que estabelece a consulta prévia a essas comunidades. A lei busca restringir a escuta a tribos indígenas em terras homologadas e a comunidades quilombolas em territórios titulados, o que pode diminuir o escopo de consulta. 

A divergência reside na interpretação da lei e suas consequências. A inércia do poder público em demarcar territórios, por exemplo, não justifica a não consulta, segundo o Supremo Tribunal Federal (STF). A tentativa de restringir a escuta pode gerar uma enxurrada de judicializações por parte do Ministério Público Federal e de ONGs, que podem alegar falhas e omissões do poder público, travando os projetos.

Desafios e caminhos

A falta de estrutura dos órgãos públicos é um problema recorrente. Um representante do governo federal presente ao encontro afirma que, no Incra, por exemplo, apenas duas pessoas são responsáveis pela área de licenciamento.

A qualidade de muitos estudos ambientais apresentados por consultorias também é um ponto a ser aprimorado. Um executivo do setor de irrigação destaca que, em seu setor, muitos técnicos de órgãos ambientais não têm experiência de campo. Um representante do Ibama critica a mentalidade "fiscalizatória" do órgão, sugerindo que o licenciamento deveria ser conduzido por uma autarquia separada, com uma cultura mais orientada para a viabilização de projetos.

A colaboração do setor privado é vista como fundamental. O Ibama, por exemplo, realizou uma parceria com a Confederação Nacional da Indústria (CNI) para capacitar técnicos, modernizar sistemas e melhorar procedimentos. A Cetesb tem uma parceria com a Petrobras para o desenvolvimento de uma "sala de cenários", um sistema que centraliza dados ambientais e pode auxiliar na análise de projetos e riscos envolvidos. Mais iniciativas como essas precisam surgir. 

Um executivo alerta que a nova lei de licenciamento ambiental pode gerar "soluços" nos primeiros anos devido à falta de estrutura dos órgãos. 
A pré-definição de estudos ambientais em lei é vista como um ponto de divergência: enquanto o setor produtivo demanda mais previsibilidade, especialistas argumentam que a heterogeneidade do Brasil exige uma análise técnica caso a caso, em vez de uma regra federal rígida. O tempo de análise, mesmo em um estado como São Paulo, pode ser de um ano para projetos de grande impacto, enquanto a indústria, com processos mais simples, é licenciada em meses.

Os executivos presentes na mesa-redonda concordam que a nova lei do licenciamento ambiental representa uma tentativa e uma oportunidade de melhorar o cenário, mas também há um forte consenso de que ela não resolve completamente os problemas de insegurança jurídica, atrasos e judicializações.

Situação atual e próximos passos

Após mais de duas décadas travada no Congresso, a nova lei do licenciamento ambiental foi aprovada e encaminhada para sanção presidencial. No dia 8 de agosto, o governo federal vetou 63 trechos do texto. Segundo o Planalto, as decisões seguem quatro diretrizes principais:

1. Garantir a integridade do processo de licenciamento, que proteja o meio ambiente e promova o desenvolvimento sustentável;
2. Assegurar os direitos de povos indígenas e comunidades quilombolas;
3. Dar segurança jurídica a empreendimentos e investidores;
4. Incorporar inovações que tornem o licenciamento mais ágil, sem comprometer sua qualidade.

Agora, o governo federal enviará ao Congresso um novo projeto de lei com urgência constitucional propondo redação ajustada nos trechos vetados. 

Também foi assinada uma medida provisória que confere eficácia imediata à Licença Ambiental Especial (LAE), um procedimento célere para atividades e empreendimentos considerados estratégicos pelo Conselho de Governo. Além disso, a MP assegura pessoal dedicado para trabalhar nesses empreendimentos com prioridade sobre os demais. 

A LAE foi criada pelo PL do Licenciamento, mas só entraria em vigor em seis meses. A MP assegura que esse instrumento possa ser aplicado imediatamente.