Cinco anos do novo marco legal do saneamento: o que falta para a universalização

Líderes de entidades financeiras, agências reguladoras e operadores do setor debatem avanços e desafios no atingimento de metas

11 de agosto de 2025Infraestrutura
Por Belén Palkovsky

O Novo Marco Legal do Saneamento, instituído há cinco anos, representa uma das principais reformas para o setor no Brasil, com o objetivo de alcançar a universalização dos serviços de água e esgoto, melhorar a qualidade do abastecimento, coleta e tratamento prestados, e aumentar a participação do setor privado. O novo arcabouço regulatório visa corrigir as falhas do modelo anterior e atrair os investimentos necessários para modernizar a infraestrutura de saneamento em um país com dimensões continentais e desafios estruturais imensos.

Cinco anos após a vigência da nova legislação, o Instituto Trata Brasil aponta, em seu último relatório, que a falta de acesso à água potável ainda impacta 16,9% da população brasileira. Por sua vez, 44,8% não possuem acesso à coleta de esgoto, o que se reflete em problemas significativos na saúde, produtividade no trabalho, valorização imobiliária, turismo e qualidade de vida, impactando profundamente o desenvolvimento socioeconômico do país.
Em números absolutos, cerca de 36 milhões de pessoas ainda não têm acesso à água, e 85 milhões não estão conectadas à rede de esgoto, com uma grande concentração dessas carências em populações com renda de até dois salários mínimos.

Com esse contexto em mente, o GRI Institute promoveu um fórum em São Paulo, onde representantes do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), da ABCon Sindcon, além de investidores e operadores do setor, apresentaram o panorama de projetos e debateram possíveis soluções para os principais entraves que tornam as metas de universalização para 2033 cada vez mais desafiadoras. 

Há consenso entre os executivos de que, desde 2020, houve um salto nos investimentos. O setor registrou quase R$200 bilhões em privatizações e concessões contratadas. O investimento privado, que desde 2019 cresceu 170%, atingiu R$6,3 bilhões em 2023. Importante destacar que 70% dos municípios brasileiros já têm metas de universalização contratualizadas. Além disso, a cobertura de água aumentou em 2,3% e a de esgoto em 5,7% para famílias de baixa renda, um passo fundamental para a inclusão dessas populações no sistema de saneamento.

A carteira de financiamento do BNDES também registrou um crescimento expressivo no setor, saltando de R$5 bilhões no final de 2021 para R$34 bilhões atualmente. A Caixa Econômica Federal, por sua vez, possui uma carteira de R$23,5 bilhões, com previsão de executar mais de R$11,5 bilhões em 2025.
Esses números refletem a robustez do modelo financeiro criado pelo Novo Marco Legal, com grandes fontes de financiamento, como os recursos do FGTS, provenientes principalmente do BNDES e da Caixa, representando 32% do funding para o setor. Concessões regionais foram realizadas em 14 estados, com mais seis em andamento, e o segmento atraiu novos participantes, incluindo diferentes agentes financeiros em contratos de longo prazo.

Entretanto, o caminho para a universalização do saneamento ainda está longe de ser fácil. Apesar dos avanços, o grande desafio permanece na viabilidade econômica de levar água e esgoto para as regiões mais carentes, especialmente as mais isoladas e menos adensadas. A modicidade tarifária é um ponto central, já que, em muitos casos, a população não tem condições de pagar pela tarifa, o que coloca em risco a sustentabilidade financeira dos projetos.
Além disso, a tributação das debêntures incentivadas - fonte crucial de financiamento para o setor - surge como uma ameaça à universalização. Segundo agentes financeiros presentes, essa tributação pode aumentar o custo de financiamento em 30 a 35 pontos-base para papéis de longo prazo.

Por outro lado, a regulação também apresenta desafios. A ANA tem trabalhado para criar normas de referência que orientem as agências reguladoras estaduais e municipais. No entanto, há uma grande assimetria na capacidade técnica dessas agências, principalmente nos municípios de pequeno porte, o que dificulta a padronização e a fiscalização da qualidade dos serviços prestados. O acompanhamento pós-leilão também se mostrou um gargalo importante, com a gestão e fiscalização dos contratos de saneamento se revelando um desafio de curto prazo.

Outro ponto crítico é a escassez de projetos estruturados, o que dificulta o acesso ao financiamento. Muitas vezes, os municípios e as empresas chegam ao BNDES com o pedido de financiamento, mas sem um projeto bem elaborado, o que impede que os recursos sejam disponibilizados de forma eficiente e em um prazo aceitável. A capacitação dos gestores municipais também é uma necessidade urgente, pois a maioria dos municípios carece de recursos humanos qualificados para gerenciar contratos de concessão e fiscalizar a execução dos serviços.

Além desses desafios estruturais, a questão da adaptação às mudanças climáticas também precisa ser abordada de forma urgente. Eventos climáticos extremos, como enchentes e secas, estão cada vez mais frequentes, e o saneamento deve ser adaptado para garantir a segurança hídrica e a qualidade da água, mesmo diante deles. O perfil de risco dos projetos de engenharia, que antes era focado na infraestrutura tradicional, precisa ser reavaliado para considerar os impactos das mudanças climáticas e a necessidade de adaptação das infraestruturas.

A drenagem urbana, historicamente negligenciada, também ganha relevância no contexto atual. A normade referência nº 12 da ANA trouxe diretrizes para estruturar e regulamentar o serviço de drenagem, um setor que ainda é considerado o "patinho feio" da infraestrutura. O estudo do Instituto Trata Brasil revelou que 94 das 100 maiores cidades do país têm algum tipo de risco de inundação, e apenas 5,3% dos municípios possuem um plano diretor de drenagem urbana. Somente 19 das 105 agências reguladoras infranacionais atuam na regulação do serviço.

Atualmente, o investimento anual em drenagem é de R$10 bilhões, mas o ideal seriam R$22 bilhões, o que indica um grande descompasso entre a necessidade e os recursos disponíveis. Em Porto Alegre, por exemplo, epicentro das enchentes de 2024 no Rio Grande do Sul, os investimentos necessários em drenagem foram estimados em mais de R$5 bilhões, mas pouco foi investido.

Nesse cenário, considera-se viável integrar os serviços de drenagem aos contratos de concessão de água e esgoto, desde que a alocação de riscos seja adequada, mas a cobrança pela drenagem se mostra um desafio, já que a população pode relutar em pagar uma tarifa adicional por esse serviço, ou seja, necessita-se dispor de capital político.

Ainda assim, a viabilidade financeira continua sendo um ponto crítico. A tarifa sozinha não será capaz de cobrir os investimentos em macro-drenagem, e será necessário aporte de recursos públicos, como outorga, subsídios ou outros fluxos de receita. Os executivos levantam a alternativa do uso da COSIP (Contribuição para o Custeio do Serviço de Iluminação Pública) como uma possível fonte alternativa de receita para projetos de drenagem urbana. A COSIP foi estendida para contribuir com investimentos que visam à segurança do patrimônio público, o que poderia se aplicar a ações de drenagem. Embora ainda seja um tema que precisa ser aprofundado, o fato de já existir uma cobrança estabelecida e paga torna a COSIP uma opção de interesse para tentar financiar parte dos investimentos em drenagem.

O Ministério das Cidades, por meio do Comitê Interministerial de Saneamento Básico (SISB), tem promovido o diálogo para interpretar e adequar as exigências legais. A flexibilização de prazos e a reavaliação das penalidades para o acesso a recursos públicos para quem não consegue cumprir as exigências, como a criação de agências reguladoras autônomas ou planos de saneamento, são pontos em discussão para evitar que o acesso a recursos seja impedido.

Apesar dos desafios, os líderes se mostram otimistas. A criação de um ambiente que permita a execução de projetos e a atração de capital, aliada à capacitação contínua de gestores e a um olhar mais atento para as questões sociais e ambientais, é a aposta para que o Brasil atinja a universalização no prazo estipulado, ou chegue muito perto disso.