Amina Atar / UnsplashOpinião: Arbitragem se torna mecanismo indispensável em contratos de infraestrutura
"Em contratos de concessão pública, ela não deve ser vista como declaração de guerra, mas como mecanismo para resolver controvérsias", afirmam advogados
Por Tiago Cortez e Roberto Lambauer
Nos últimos 20 anos, a arbitragem se consolidou como pilar da segurança jurídica para a resolução de disputas em concessões e PPP (parcerias público-privadas) no Brasil. No entanto, o tempo médio de duração dos procedimentos arbitrais, notadamente em função de perícias complexas e bastante longas, colocam um desafio para que a arbitragem também seja um método eficiente de resolução de disputas para o setor de infraestrutura. Este artigo traça algumas ideias de como as partes podem explorar os mecanismos próprios da arbitragem para atribuir maior eficiência aos procedimentos e, ao mesmo tempo, preservar o ambiente de cooperação necessários para a boa execução de contratos de longo prazo.
A Lei 9.307/1996 instituiu o marco legal da arbitragem no País, ao prever que litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis poderiam ser resolvidos por árbitros escolhidos pelas partes, com a mesma força de uma sentença judicial. A partir daí, o movimento de consolidação da arbitragem em disputas envolvendo contratos de infraestrutura foi gradual. Vieram as previsões setoriais, como a Lei do Petróleo (1997) e a Lei dos Transportes (2001), que passaram a incluir a arbitragem como cláusula essencial dos contratos. Depois, a Lei das PPPs (Lei 11.079/2004) referendou a previsão de cláusula arbitral em contratos de concessão patrocinada e administrativa. Um novo salto ocorreu com a reforma da Lei de Arbitragem em 2015 (Lei 13.129/2015), que reiterou a possibilidade de a Administração Pública recorrer à arbitragem para resolução de disputas envolvendo direitos patrimoniais e disponíveis. Por fim, a Lei 13.448/2017 e o Decreto 10.025/2019 consolidaram especificamente a arbitrabilidade de matérias sensíveis em contratos de concessão, como o reequilíbrio econômico-financeiro, as indenizações por investimentos não amortizados e a aplicação de penalidades.
A grande virtude da arbitragem no contexto da infraestrutura é permitir que disputas sejam decididas por árbitros com profundo conhecimento em concessões, PPPs e regulação setorial, escolhidos livremente pelas partes, o que reforça a confiança na imparcialidade e na qualidade técnica das decisões. Esse arranjo garante que a análise seja conduzida por profissionais aptos a se debruçarem sobre a alocação de riscos contratual, o arcabouço regulatório e a realidade econômico-financeira dos projetos. A possibilidade de escolha de árbitros experientes e altamente especializados cria expectativa legítima de que as decisões arbitrais observem com rigor as matrizes de risco contratuais, as normas setoriais aplicáveis e a dinâmica complexa das concessões. Esse desenho tende a conferir maior consistência técnica e previsibilidade às decisões, fatores decisivos para ampliar a confiança dos investidores.
Outro conceito-chave para a segurança jurídica do instituto é o princípio da competência-competência. Em termos práticos, esse princípio significa que discussões preliminares -- como alegações de que a matéria não seria arbitrável ou de que a cláusula compromissória seria nula -- devem ser apreciadas primeiro pelos árbitros, e não pelo Judiciário. Essa lógica reduz a chamada “judicialização de preliminares”, ou seja, a tentativa de alongar o procedimento por meio de disputas sobre a própria jurisdição do tribunal arbitral. O Superior Tribunal de Justiça vem aplicando esse entendimento com consistência, o que amplia a previsibilidade quanto ao emprego da arbitragem em contratos de infraestrutura.
Vale destacar também a dimensão setorial. No saneamento, em especial, a arbitragem ganha importância redobrada. Trata-se de um setor em que o poder concedente e o regulador, muitas vezes municipais, estão sujeitos a pressões políticas locais e, em certos casos, a capturas regulatórias. A arbitragem tende a mitigar essas distorções porque transfere a decisão para árbitros independentes, escolhidos por sua experiência técnica, que não estão sujeitos às mesmas influências locais.
Além disso, os precedentes atuais reforçam a plena eficácia da convenção arbitral em matéria de concessão de serviço público. Em decisão paradigmática no setor de rodovias, o Tribunal Arbitral reconheceu a legitimidade da retomada do serviço pelo poder concedente, mas determinou que o concessionário fosse indenizado pelos investimentos não amortizados durante a vigência da concessão. O ressarcimento foi assegurado porque se demonstrou que o valor dos investimentos superava eventuais débitos decorrentes do inadimplemento que levou à caducidade. O caso ilustra como a arbitragem pode equilibrar a preservação do interesse público – continuidade e retomada do serviço – com a garantia de tratamento justo ao investidor.
Em síntese, a arbitragem se tornou mecanismo institucional indispensável para a estabilidade dos contratos de infraestrutura. Ao combinar técnica, previsibilidade e um foro independente, menos sujeito a fatores locais, ela reforça a confiança de investidores nacionais e estrangeiros. A arbitragem passou a funcionar como um pilar de governança regulatória e contratual, capaz de assegurar que disputas sobre equilíbrio econômico-financeiro sejam tratadas com racionalidade técnica. A previsão de cláusulas arbitrais em concessões e PPPs se tornou um standard mínimo de segurança jurídica para investidores.
Por outro lado, a expectativa de celeridade da arbitragem precisa ser encarada com realismo. Já não se sustenta a premissa de que todo procedimento se encerra em dois anos. A experiência em concessões rodoviárias federais revela que sentenças parciais costumam levar de 24 a 26 meses, e a conclusão do procedimento em alguns casos pode levar mais de cinco anos. Apesar disso, os prazos continuam mais compatíveis com a lógica econômica dos contratos do que aqueles verificados no Judiciário e a arbitragem coloca à disposição das partes mecanismos importantes que, se bem explorados, podem contribuir com procedimentos mais céleres e eficientes.
A experiência demonstra que a instauração da arbitragem, com a formação do tribunal arbitral, é um procedimento demorado, que pode levar alguns meses. Antes disso, as partes têm à sua disposição a possibilidade de se socorrerem de medidas de urgência a serem obtidas no foro judicial eleito no contrato de concessão que, geralmente, é o foro da sede do Poder Concedente. As principais câmaras arbitrais, contundo, colocam à disposição das partes a figura dos árbitros de emergência. O árbitro de emergência é indicado pela própria câmara arbitral, instituição nomeada na cláusula compromissória para administrar a arbitragem, para decidir medidas liminares requerida por uma das partes antes da instalação do tribunal arbitral, mas que sejam necessárias para preservar direitos ou assegurar o resultado útil do procedimento arbitral. Essa figura pode servir como alternativa ao foro judicial para obtenção de cautelares pré-arbitrais, a depender da redação do contrato e do regulamento da câmara selecionada. A utilização estratégica desse mecanismo pode ser um fator importante para destravar um impasse na administração do contrato e que pode contribuir com uma solução, ainda que parcial, da controvérsia.
Outro elemento relevante da arbitragem é a possibilidade de bifurcação do procedimento, em que o tribunal decide em momento inicial apenas sobre a existência do direito, ou do desequilíbrio econômico-financeiro, e deixa a quantificação para fase posterior. Essa dinâmica cria pontos de inflexão no procedimento: uma vez conhecida a posição do tribunal sobre o mérito da disputa, a partir de sentença parcial, as partes tendem a buscar acordos e composições, o que tende a acelerar a solução do conflito.
Outro diferencial da arbitragem determinante tanto para sua eficiência quanto para a obtenção de decisões tecnicamente consistentes é a forma de produção de prova. No Judiciário, prevalece a figura do perito único, nomeado pelo juiz, cujo laudo muitas vezes tem influência decisiva sobre o desfecho do processo. Na arbitragem, as partes podem indicar assistentes técnicos, apresentar pareceres contrapostos e submetê-los a “hot-tubbing” ou inquirição conjunta em audiência. Essa dinâmica permite maior controle das partes sobre o processo probatório, o que é crucial em litígios que envolvem regulação econômica e cálculos complexos de reequilíbrio.
Celeridade e previsibilidade, contudo, dependem muitas vezes da postura adotada pelas partes no procedimento arbitral. Em um ambiente em que a combatividade na defesa de interesses é inerente, é fundamental que as partes e seus representantes atuem de forma a preservar o ambiente de cooperação que é pressuposto e necessário em contratos de longo prazo que viabilizam a prestação de serviços públicos essenciais. E a arbitragem é um método de resolução de disputas que conta com a constante interação entre os advogados das partes para o bom andamento do procedimento arbitral. Desde a indicação dos árbitros, passando pela elaboração do termo arbitral e definição das regras e cronogramas do procedimento, até o desenho do método de produção de provas, a forma como os representantes das partes atuam e interagem e conhecimento das especificidades inerentes aos procedimentos arbitrais são fatores determinantes para o desenvolvimento eficaz do procedimento. A combatividade na defesa dos interesses não pode ser confundida com a a interdição do diálogo necessário para que a solução da disputa chegue a bom termo.
No que se refere à arbitragem nos contratos de concessão, a boa notícia é que a discussão não gira mais em torno da sua admissibilidade ou segurança jurídica da arbitragem, mas da sua eficiência e das formas de aprimorá-la. O desafio está em tornar os procedimentos mais céleres e previsíveis. E para superação desse desafio, a maneira como as partes e seus representantes atuam na arbitragem é fator determinante. A utilização da arbitragem nos contratos de concessão pública não deve ser vista como uma declaração de guerra entre partes que ainda se relacionarão por anos ou décadas na prestação de serviços públicos essenciais, mas sim como mais um mecanismo para resolver controvérsias que as partes não conseguiram solucionar sem ajuda de terceiros, mas que para boa solução a cooperação ainda é fator determinante.
* Tiago Cortez é sócio de Resolução de Disputas: Contencioso Cível e Arbitragem do escritório KLA Advogados, e Roberto Lambauer é sócio de Direito Público do KLA Advogados
Este artigo não representa necessariamente a opinião do GRI Institute.